Ter esperança dói
Ao fechar os olhos fico tentando acreditar no que eu vivi, mas o misto de emoções não me permite, só mesmo vivendo de novo. O que eu sinto nesse momento? Covardia. “Estou desorganizada porque perdi o que não precisava? Nesta minha nova covardia – a covardia é o que de mais novo já me aconteceu, é a minha maior aventura, essa minha covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá-la –, na minha nova covardia, que é como acordar de manhã na casa de um estrangeiro, não sei se terei coragem de simplesmente ir. É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me mesmo seja de novo a mentira que vivo”...
Ao mesmo tempo em que tento juntar as peças do quebra-cabeça, naufrago na doçura de um momento único, em que eu poderia me sentir à vontade para aceitar a minha vida como ela é, sem expectativas desnecessárias, sem a cobrança absurda de uma vitória duvidosa, confrontando os conceitos de um fracasso que eu não aceito por não considerar que tenha sido algum dia vencedora e, admito, eu não deveria precisar ouvir algo que já sabia ou pelo menos deveria saber. Mas esse é o máximo de racionalidade que conseguirei oferecer. Naquele momento eu deixei o meu lugar na cadeira e saí flutuando, totalmente livre, transparente, especial, mas não sei definir se por saber que existe algo em mim que é maior do que eu pensava (talvez um fio de esperança que eu não esperava, ali ainda escondido), ou se por saber que estava diante de algo tão espetacular que meu cérebro assumiu como sendo um sonho. Presumindo ser de mentira, a sensação de euforia só não veio por completo porque ele também sabia que ainda não era hora. Minha hora não chega nunca, inevitavelmente penso. O vazio deu espaço às experiências e expectativas, que se misturaram como água e café, e tudo junto começou a ferver a mais de cem graus, transformando a mistura em uma das coisas mais saborosas que já pude experimentar. Uma lágrima me disse que eu era forte para recomeçar, mesmo cambaleando, mesmo ainda sem muito fôlego, mas em extrema atenção. Se eu fosse um ser totalmente inanimado, tenho certeza absoluta de que essa seria uma das coisas que eu mais desejaria e invejaria em ser vivo: sentir. “O prazer nascendo dói tanto no peito que se prefere sentir a habituada dor ao insólito prazer. A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida - e se parece com o início de uma perdição irrecuperável. Esse fundir-se total é insuportavelmente bom - como se a morte fosse o nosso bem maior e final, só que não é a morte, é a vida incomensurável que chega a se parecer com a grandeza da morte. Deve-se deixar inundar pela alegria aos poucos - pois é a vida nascendo. E quem não tiver força, que antes cubra cada nervo com uma película protetora, com uma película de morte para poder tolerar a vida. Essa película pode consistir em qualquer ato formal protetor, em qualquer silêncio ou em várias palavras sem sentido.”
Ter esperança dói.
“Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente.” (Clarice Lispector)
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