Me leva pra qualquer lugar
Meu senhor, há muito eu queria falar, mas não sabia exatamente para quem dizer, pois não há um só ser humano com quem eu possa me sentir confiante o suficiente para comentar esse tipo de coisa, só para os meus botões mesmo é que eu poderia tentar explicar. Há alguma coisa muito errada com o mundo ou com o meu coração porque todo dia eu acordo com ele apertado, levemente acelerado, delicadamente despedaçado. Não sei onde foram parar as pessoas que eu amava, elas costumavam ser tão importantes e a estarem tão perto de mim, mas de repente eu acordei, abri os olhos e como se fosse em um sonho eu não vi mais ninguém ao redor. Desde esse despertar venho me perguntando tantas coisas que eu nunca me perguntava antes, como se tudo tivesse ido embora com o vento e o que restou foi apenas uma lembrança distante de algo que um dia foi bom e hoje não existe mais, sem nenhuma razão explícita.
Moço, eu queria tanto poder confiar no mundo em que vivo, em toda a gente ao meu redor ou em mim, mas não consigo confiar nem em mim e isso é patético demais. Eu queria poder gostar de toda essa gente ou pelo menos gostar um pouco do que eu sou, porque se não conseguir, como é que eu vou sentir algum tipo de afeição pelas outras pessoas daqui para frente? Ou como é que eu vou ter coragem de levantar e enfrentar o dia, enfrentar minha vida, enfrentar quem eu sou? Mas eu queria moderadamente todo dia e não gostar muito de vez em quando e depois odiar de repente, porque os extremos acabam nos desgastando demais. Como é possível viver assim, em um mundo onde muitas vezes a gente não consegue nem gostar de si mesmo? Tenho tantas coisas boas pra fazer pela vida ainda e tantas coisas bonitas pra dizer, pra ensinar e aprender, mas cadê a vontade de continuar? E por que é que eu me sinto assim amigo? Será que você poderia me explicar? Se é que existe algum mortal que possa me explicar as coisas que acontecem dentro da minha cabeça, coisas que nem eu entendo direito. Eu sempre imaginei que esse tipo de situação fosse reservada aos primeiros anos de vida de uma pessoa, toda a angustia de não saber de nada, de não se sentir nada, de não ter realização nenhuma, mas com o tempo a gente descobre que as fases só mudam um pouco em nível de dificuldade mas os desafios são quase sempre iguais: você contra você mesmo. A pior e a melhor batalha que se pode travar porque depende da sua vontade de vencer e muitas vezes a vontade é algo que se extingue sem querer. Como eu queria ter vontade de verdade de vez em quando, seria tão mágico, tão motivador.
Você não pode me levar pra algum lugar onde tudo possa ser importante de novo? Eu te peço, por favor, me leva embora daqui para algum lugar onde não haja tanta dor e violência, nem vergonha e desamparo, onde o espaço de todos seja respeitado e as diferenças também. Algum lugar onde não se precise correr atrás de um modelo de perfeição impossível, mas onde os problemas e as imperfeições sejam passíveis de compreensão e uma fonte de aprendizado eterno. Me leve embora daqui porque isso está longe de ser o que eu via na TV quando criança, era tudo mentira. Eu não quero, eu não aceito um mundo onde a verdade é o avesso e ninguém é capaz de levantar a voz pra dizer o que pensa, onde ninguém tem moral e ainda assim quase sempre pensa que pode ponderar o outro, que se iguala em fraqueza com qualquer um que se encontre pelo caminho. Um lugar onde a gente não tem vontade própria, onde a gente é feito fantoche.
Meu, você nem imagina como é que as coisas estão por aqui, se você soubesse, acho que nem iria querer voltar a colocar os pés aqui. Ninguém se preocupa realmente com nada, apenas com pessoas alocadas estrategicamente na vida de cada um, porque o egoísmo é tanto que todo mundo tem o seu backup, ninguém quer ficar sozinho e não importa o quanto isso custe. O problema é que tudo o que poderia ser o nosso maior diferencial torna-se nosso maior poder de destruição. “Digam o que disserem o mal do século é a solidão”, e ninguém precisa dizer isso pra ninguém, todo mundo já sabe, é tão comum que se tornou normal. Nem parece que isso é vida de verdade. Parece que a gente já morreu e esqueceu de parar de sentir.
“O Brasil é uma república federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus” (Oswald de Andrade)
Acho que você é a resposta pra sua própria pergunta. E eu sei que essa é uma resposta que parece algo meio "mestre dos magos" do caverna do dragão, mas não é bem assim. É que, às vezes, a gente é a resposta que a gente espera do mundo.
ResponderExcluirE ver que a confusão e o não saber nunca acabam faz parte de entender como as coisas funcionam e não de se perder mais.
Pode até ser que tudo, ou quase tudo seja mesmo mentira, mas se você sabe que é mentira, não é mentira mesmo, é só brincadeirinha.
E a Mafalda é demais hahahaha