Keep walking
À meia luz, meio sem sentir o que ela mesma era naquele momento, se a linda esposa, a trabalhadora assídua, a filha comportada, a garota sonhadora, a criança medrosa ou uma pessoa como qualquer outra, não sabia o que desejava do mundo. Olhou no espelho e sentiu uma dilacerante saudade de coisas que sabia serem irrecuperáveis. Quem seria ela se tivesse optado por outros caminhos diferentes do que escolheu? Uma das sensações mais ambíguas e tristes que se pode experimentar é o não saber, porque a ignorância pode nos proteger de muitas coisas, mas pode também nos ajudar a perder as saídas durante o caminho. O problema é quando o saber nunca é suficientemente bom, nunca preenche, nunca alimenta, apenas acende uma chama que queima de forma incessante o nosso peito até que não sobre nada mais além do desejo de não saber.
Mas ela sabia muito bem que estava com um problema. Assumir um problema naquele momento parecia uma postura covarde e a última coisa que ela aceitaria seria admitir seu egoísmo. Morrer seria covardia, ficar doente, viver daquela forma, não seguir em frente. A cobrança sobre suas próprias ações eram demais às vezes, pois sabia que desejava ir muito além do que já havia conseguido e sabia que era capaz. Só se perguntava se seria feliz assumindo querer mais do que tudo ser ela mesma de novo e junto com essa escolha aceitar a solidão e sensação de incapacidade que já conhecia de leve. Porque não poderia ir atrás do sonho e ao mesmo tempo ser ela mesma era algo muito difícil de compreender. Sentia-se diante de duas pessoas diferentes no reflexo do espelho em que se olhava. O maior desespero veio com a percepção de que não eram as escolhas o grande problema, era o conceito de vida e felicidade que ela não havia realmente compreendido até aquele momento, chegar à meia idade sem entender direito a que veio era, no mínimo, inaceitável. Viver não era nada do que ela esperava, nem o mundo, apesar de saber que tudo isso dependia, diariamente, de seu estado de espírito. Sentia vontade de fugir, mas a sensação de vazio foi crescendo e crescendo cada dia mais e, tomando conta de seus pensamentos, de suas ações, de sua vida. Não queria procurar um especialista, aquela pessoa para quem se paga em troca de um pouco de atenção quando não se deseja perturbar os amigos e colegas com reclamações e coisas sem sentido, quando não se deseja ouvir opiniões que muitas vezes fazem a gente se sentir pior do que já estava, enfim, um profissional. Até mesmo procurar esse tipo de ajuda aos seus olhos seria mostrar ao mundo uma fraqueza que não desejava ostentar, ela sempre foi a pessoa acostumada a dar conselhos sensatos e ajudar todo mundo na superação das desavenças. A única coisa que ecoava em sua cabeça era "keep walking", mas pareciam quase sobrehumanas as tentativas recentes de não se entregar de vez ao fracasso e desespero, o que para muitas outras pessoas talvez fosse até compreensível, mas para ela seria o fim, e sabia muito bem que não queria chegar ao fim tão cedo.
Durante muito tempo procurou dentro de si formas diferentes de esquecer um pouco a loucura eminente. Encontrou muitas saídas na literatura, na música, no entretenimento, nos relacionamentos pessoais e na família. Mas sua história de vida a fazia temer muito suas próprias reações, tinha medo de si mesma mais do que de qualquer outra pessoa, tornara-se realmente seu pior inimigo. Porque não poderia ser tão leve quanto uma brisa, tão linda como uma rosa, tão breve como uma borboleta? Sentia uma vontade vergonhosa e insuportável de desistir de si mesma, esquecer quem era, abdicar de tudo de vez. Mas isso era impossível, antes preferiria morrer, mas até morrer seria covardia demais e isso nem depois da morte acreditava ser capaz de suportar, caso houvesse algum tipo de vida ou consciência depois da morte. E percebeu que para seu problema, assim como para a maioria dos problemas que criamos em nossa vida, só haveria mesmo uma saída possível: conhecer-se a ponto de descobrir suas próprias formas de continuar seguindo em frente, porque parece que uma coisa havia aprendido naturalmente: é preciso seguir em frente, de um jeito ou de outro. A essa altura de sua vida, já havia tomado consciência ao menos da pessoa danificada que se tornara com o passar dos anos, uma criatura sem jeito, incompreensível, exageradamente viva. E decidiu finalmente aceitar a idéia de seguir em frente, de um jeito ou de outro.
Parece uma foto sua
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