Uma pomba no asfalto

Quanto tempo vive uma pomba? Foi a primeira pergunta que me veio à cabeça logo que coloquei os pés na rua, hoje pela manhã.  Imagino que, para morrer de morte natural, obviamente, deva demorar por volta de quinze ou vinte anos, assim como as calopsitas. As pombas não são animais muito adorados, exceto se forem branquinhas, bem cuidadas e bonitas, circunstância em que elas serão utilizadas como símbolo de paz e chamdas de “pombas da paz”. Mas se a natureza não for assim tão generosa, elas podem até mesmo ser odiadas e maltratadas, ou simplesmente ignoradas. Independentemente da cor ou forma, eu sinto pena dessas aves, não de todas, é claro, mas dessas que vivem nas grandes cidades eu sempre senti pena. Toda vez que passava no centro e via aquele bando correndo atrás de pipocas e brigando pelas migalhas, eu ficava com o coração partido, mas tinha até vergonha de falar porque nem todo mundo gosta de pombas. É que, cinzas ou brancas, elas transmitem doenças ao ser humano e defecam em todos os lugares, inclusive em nossas cabeças, se não tomarmos cuidado, mas ninguém pára pra pensar nas condições precárias em que elas vivem, sempre pelo chão, atrás de restos e correndo sérios riscos de serem pisoteadas ou atropeladas. E que culpa elas têm de transmitir doenças ou de não olharem por onde defecam?
Quando eu saí de casa hoje, vi uma pomba toda esmagada no asfalto, certamente, por ter sido atropelada por um carro. Fiquei sentindo uma pena daquela ave, imaginando o que ela estaria fazendo naquele momento, o que sentiu, o quanto viveu, quantas refeições conseguiu fazer aquele dia. Será que teve tempo de pôr seus ovos e os filhotes no mundo? Qual terá sido a última coisa que ela olhou? Se morreu de repente, instantaneamente ou se agonizou, coitada. Me dava um nó na garganta passar por ali e ver todas as penas jogadas pelas calçadas, o corpo dela, apenas em parte, estraçalhado no chão, as pessoas passando pra lá e pra cá, como se não vissem nada. Aquela pomba não era nada pra ninguém, talvez para algumas outras pombas ela fosse alguma coisa, mas não para os seres humanos que transitavam em frente ao seu corpo morto, esmagado no solo. Uma única mulher deu uma olhada, surpresa, e depois me encarou, meio sem jeito, percebendo que eu estava olhando também. Ela pareceu se importar e, ao mesmo tempo, não querer se importar ou não querer demonstrar que se importava com aquilo.
É um pouco irônico um ser capaz de voar ser atropelada por um automóvel...no final da noite eu passei por lá de novo e, para minha surpresa, já não tinha mais quase nenhum resto dela, os carros passaram por ali o dia inteiro fazendo com que ela se espalhasse ou se fundisse ao asfalto de forma que agora estava quase invisível. A pomba desapareceu do planeta em um período de tempo que deve ter durado menos de 24 horas. Apenas suas penas ainda estavam lá, espalhadas pela rua e pelas guias, penas acinzentadas, o único indício de que um dia ela existiu.


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