A invenção da mentira

Assisti a um filme, há algum tempo, que me fez pensar muito sobre como a gente vive falando que detesta isso ou aquilo, mas não reflete sobre como essas mesmas coisas são, até mesmo, necessárias para a nossa sobrevivência. O fato é que a gente não sabe viver sem reclamar ou sem julgar, assim como a gente não sabe viver sem mentir. Os que não concordarem, parem para pensar um pouco nos pequenos momentos do dia-a-dia, em todas as perguntas durante a entrevista de emprego que você tanto esperou, nos pretendentes dispensados com a frase “acabei de sair de um relacionamento complicado” ou “não quero me envolver com ninguém nesse momento”, nas festinhas de família, nos presentes que não agradaram, entre muitas outras coisas inevitáveis.
O filme chama-se The Invention of Lying e, definitivamente, não é um daqueles que vai marcar a sua vida para sempre, embora mostre, de forma muito interessante, como seria o mundo e o comportamento das pessoas se a mentira simplesmente não existisse, ou seja, se o mundo não tivesse a percepção de que é possível enganar, trapacear ou omitir coisas a fim de conseguir favorecimento próprio. O que é mais legal, nesse contexto, é a visão de que seria possível um mundo mais puro, onde as pessoas realmente acreditariam umas nas outras, sem medos, receios ou desconfianças inúteis e que, muitas vezes, estragam os relacionamentos humanos. Um mundo onde sua palavra teria a mesma credibilidade (ou até maior) do que qualquer pedaço de papel que você assine, e onde você poderia ficar tranqüilo com a confiabilidade das respostas para suas perguntas, por mais difíceis que elas fossem. Parei por um momento para fazer um comparativo entre o filme e a vida real, e fiquei refletindo sobre como somos estranhos e complicados e como seria ainda mais complicado se, de repente, perdêssemos a habilidade de mentir. Não que sejamos mentirosos asquerosos que saem trapaceando e fazendo mal a todo mundo (pelo menos nem todo mundo é assim), mas se fôssemos incapazes de esconder a verdade quando aquele amigo, que nos deu um presente de aniversário horrível, perguntasse “e aí, gostou?” ou quando uma mãe viesse mostrar o neném não tão bonitinho, ou qualquer outra dessas situações em que respondemos uma “inverdade”, não para sacanear a pessoa ou para causar nenhum mal, mas simplesmente para não ferir os sentimentos de alguém ou causar tristeza desnecessária. Fiquei imaginando o quanto essas mentirinhas fazem parte do nosso dia-a-dia, cada uma dentro dos limites estabelecidos por quem as conta, e não saberíamos viver sem elas. Mentirinhas que nos permitem ter o nosso universo particular preservado, nossa individualidade intacta e respeitada. Mais uma daquelas coisas que precisam passar pela linha tênue que existe entre o sensato e o insensato, entre o moral e o imoral, entre o aceitável e inaceitável, uma daquelas avaliações dependentes da particularidade de cada um, de como pensam, como sentem, dos limites estabelecidos por cada personagem, entre o certo e o errado, que é certo e errado para um, mas não para o outro. Padrões diversos, difíceis, obscuros e, às vezes, incompreensíveis. O engraçado é que a única coisa verdadeira nessa história é saber que, definitivamente, todo mundo mente.
 

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