O Dexter em cada um de nós
Dexter Morgan |
Dexter é um serial killer que passaria despercebido por qualquer um de nós. Cabelo arrumado, camisa bem passada e educação exemplar, sua aparência cumpre o papel para o qual foi destinada. A vida socialmente aceita inclui um emprego como especialista em padrões de dispersão de sangue, no departamento de polícia de Miami e entrar toda manhã oferecendo as famosas rosquinhas (ou donuts) para todos os colegas de trabalho. Por trás das guloseimas está um homem frio que nunca experimentou nenhum sentimento de amor, afeição ou rancor, um sujeito capaz de picar uma pessoa em pedaços e jogar dentro de um saco de lixo como se fosse sujeira que a gente recolhe do chão com a pá depois de varrer a casa e ainda guardar as amostras de sangue de cada vítima em placas de vidro guardadas atrás do aparelho de ar condicionado. Com uma necessidade de matar quase semelhante aos desejos mais básicos de qualquer ser humano, como comer, dormir ou fazer sexo, ele classifica a si mesmo como um monstro, mas não sai por aí matando qualquer pessoa, escolhe suas vítimas com base em um histórico criminoso e faz justiça com as próprias mãos.
O seriado começa explicando sua personalidade, incluindo a frieza natural, a incapacidade de sentir ou emocionar-se com qualquer coisa, a dificuldade de engajar-se em situações sociais simples e, principalmente, o código ensinado por seu pai como uma forma de sobrevivência, na verdade, como uma forma de saciar sua sede de matança sem ser descoberto. O Dexter atrai por contar uma história até mesmo meio clichê, sobre a vida e as aventuras de um serial killer, mas dando ênfase à sua alma e seu excelente disfarce, nos fazendo refletir, principalmente sobre dois aspectos: o primeiro, que de tão bem mascarado e disperso na vida social que utiliza como camuflagem, ele poderia ser qualquer pessoa ao nosso redor, o irmão, melhor amigo, pai, vizinho ou o namorado; e o segundo, que, analisando muito bem sua rotina, suas características, mesmo que obviamente exagerando, ele poderia ser até mesmo qualquer um de nós. Não levando ao pé da letra, claro, porque não somos monstros sedentos por sangue e morte (espero eu rs), mas quantos segredos somos capazes de guardar como uma forma de proteção contra a realidade que às vezes se funde na fantasia de uma vida que criamos como um padrão? Quantas vezes nos vemos disfarçando nossas reações e deixando escapar algo que não reflete exatamente o que somos, para garantir nossa sobrevivência social? Quantas vezes nos sentimos obrigados a obedecer a um código de conduta que é imposto pelos grupos sociais que freqüentamos? Quantos padrões somos capazes de admitir para passarmos despercebidos conforme a conveniência de nossos momentos? Pode até parecer absurdo, mas, exceto pelo desejo oculto de matar por prazer, todos nós somos um pouco como Dexter, temos nossos próprios disfarces, usamos máscaras, criamos histórias e contamos uns aos outros como forma de entretenimento, vivendo, muitas vezes, uma vida de fantasia e outra de realidade. O que você faz quando não tem ninguém te olhando, isso sim é o que você é de verdade, assim como o Dexter que se sente ele mesmo apenas quando se realiza sozinho nos assassinatos que comete, o resto é educação, está embutido na caixa de rosquinhas que cada um de nós carrega todos os dias para o trabalho, para a escola ou para qualquer lugar do mundo. E não apenas pelo disfarce, o que nos assemelha ao personagem compreende igualmente a sensação de inquietude e insatisfação diante da necessidade de manter uma máscara, o desejo abafado de uma liberdade aparentemente impossível de ser alcançada, de mostrar-se e de ser aceito como realmente é, quem sabe até amado pelo que realmente é. Mas pobre Dexter, sabe que é impossível.
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