Senta que lá vem a história...
Bem, vamos começar do começo. A “moça velha” de trinta anos que vos fala nasceu quase às onze da manhã, em uma sexta-feira de outubro de 1981, na cidade de São Caetano do Sul, em um hospital chamado Nossa Senhora da Pompéia, estabelecimento este que nem sequer existe mais nos dias atuais! Vim ao mundo por via de um parto normal, com a ajuda de uma médica obstetra chamada Marta e que transformou a experiência de dar à luz em algo um pouco mais suportável para minha mãe, que já tinha um filho nascido de maneira traumática. Meu nome era pra ser Cacilda! Sim, pode dar risada, é um nome bem feio, eu sei, mas ele seria uma homenagem à avó que nunca conheci, mãe de minha mãe, que nem ela mesma chegou a conhecer realmente, pois veio a falecer quando minha mãe tinha apenas quatro anos de vida. Entretanto, por alguma ironia do destino, e para minha sorte, a escolha desse nome não foi definitiva. No cartório onde eu seria registrada, a idéia de chamar uma criança de Cidione foi imediatamente despistada por um santo cristo atendente que sugeriu Cidiane, porque esse seria um nome mais feminino e, enfim, surgiu a Cidiane que escreve agora, assinando com um nome oriundo de uma cartela de rifa que minha mãe nem chegou a ganhar, no final das contas.
Naquela época, início da década de 80, meus pais estavam em uma de suas passagens por São Paulo, mas ainda na indefinição de qual seria o seu habitat definitivo: o sertão nordestino ou o ABC paulista. A conclusão veio quando eu já completava sete anos de idade e em uma boa hora. Minha família é de origem muito humilde, tendo vindo de um ambiente paupérrimo, onde a seca castigava cada ser vivo sem piedade, mas com valores que fizeram com que a família crescesse de forma muito bem estruturada, sem desassossegos grandes e com muita união. Meu pai, um nordestino sonhador, apaixonado por música, contador de piadas, construiu sua casa quando já não suportava mais o peso de pagar o aluguel. Quando nos mudamos para onde vivemos hoje, não havia vidros nas janelas, nem muros no quintal, não tínhamos água encanada e nem calçadas nas ruas. O piso do quarto era de terra e as paredes estavam ainda com os tijolos e lajotas à mostra, pois não tínhamos dinheiro suficiente para terminar a construção antes da data marcada para a mudança. Em dias difíceis, minha mãe costumava tentar encontrar algum emprego que pudesse proporcionar uma soma ao orçamento da família, mas nem sempre isso valia a pena, e sua ajuda, portanto, acabava sendo essencial dentro do lar, onde ela pôde dedicar-se à família, abrindo mão, muitas vezes, de seus sonhos e planos individuais. Eu e meus irmãos nunca tivemos uma festa de aniversário, eu, particularmente, não cheguei a possuir uma boneca Barbie ou a bicicleta que tanto sonhava. Ganhava, às vezes, boneca cara do meu tio, que aproveitava a compra do presente de Natal da minha prima e comprava para mim também. Por alguns momentos, quando na adolescência, eu sonhei coisas como ter um tênis de marca conhecida, essas que hoje vemos nos pés de quase todos os adolescentes na rua, ou um disco da banda que eu gostava, que na época era caro pra caramba. Eu sonhei com tantas coisas materiais, coisas que vejo tão facilmente disponíveis por aí, nas mãos de crianças e adolescentes, como um simples CD do cantor preferido, uma camiseta da moda, um telefone celular, um ingresso para o show, um notebook ou até mesmo um automóvel, coisas que tenho a oportunidade de possuir hoje, por meu próprio esforço, e fico imaginando se essas pessoas, ainda tão pequenas e imaturas, saberiam medir o valor que essas coisas têm de verdade. Não o valor financeiro somente, mas o quanto seus pais ralaram para conseguir essas coisas, que, de alguma forma, representam muito mais do que apenas um objeto eletrônico ou uma roupa de marca, mas oferecer aos seus filhos o que, muitas vezes, eles não puderam ter com essa facilidade. Inevitavelmente lembro-me de uma tarde triste da minha pré-adolescência, em que meu irmão sonhava em ter um videogame mais do que tudo no mundo e minha mãe dizia “não se preocupe filho, um dia você poderá ter o videogame que você quiser” e a gente não conseguia compreender direito naquele momento, embora aceitássemos com serenidade. Naquela época a vida parecia outra coisa, muito diferente de hoje, não imaginávamos nós mesmos com trinta anos de idade e não pensávamos no futuro, nossos sonhos eram imediatos. Quando eu olho para trás hoje, em uma noite fria de junho de 2011, em que tenho a mente e o coração divididos, tenho a melhor percepção da minha vida: não ter tudo o que queríamos foi o que nos fez ter força para lutar pelos nossos objetivos e saber valorizar cada conquista como se fossem únicas. E eu não me refiro apenas às conquistas materiais, mas também às coisas simples e abstratas como ter uma formação, saber gerar oportunidades, correr atrás das coisas, conquistar uma carreira, um sonho, um lugar ao sol. Além de tudo isso, nos fez ter consciência de que o mundo não é do jeito que a gente quer e que perder de vez em quando faz parte do jogo, assim como dar a volta por cima e se sentir orgulhoso de si mesmo também. Muitas vezes, assumo, eu não tenho orgulho de mim, mas faço parte dessa família, e isso sim me faz sentir muito grande!
Eu e Fabiano, meu irmão mais velho, Brasília, 1983 |
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