Dois pesos e duas medidas


O motorista que acelera para ultrapassar o pedestre que tenta atravessar na faixa é o mesmo que reclama da falta de consciência dos outros motoristas, a mãe que segura o nenê no colo e dá risadas dos tapas na cara que leva das mãos ainda inocentes é a mesma que fala pra vizinha da má educação de outras crianças um pouquinho maiores que a sua, o homem que tem ataques de ciúme da saia na altura do joelho de sua filha ou mulher é o mesmo que cobiça a menina, filha ou mulher de algum outro, que passa na rua usando uma micro saia. A pessoa que joga a lata de refrigerante pela janela do ônibus é provavelmente a mesma que reclama das enchentes no seu bairro e quem se aproveita de uma situação privilegiada para impor o seu ponto de vista sem dar ouvido a mais ninguém sempre é o mesmo que não entende porque as coisas deram errado novamente.
O sujeito que se sente injustiçado porque seu pai foi maltratado pela atendente do banco é o mesmo que finge estar dormindo no assento reservado do ônibus pela manhã, quem pixa o muro do vizinho reclama da falta de limpeza das ruas e lugares públicos. O cara que joga entulho no lugar proibido é o primeiro a reclamar que a prefeitura não faz nada pelo bairro e o que joga lixo no chão é o que vai dizer que fez isso pela falta de lixeiras que foram colocadas lá milhões de vezes e milhões de vezes foram depredadas de novo, de novo e de novo. O que tira o sarro dos erros dos outros é o mesmo que vai dizer que todo mundo erra quando for o seu erro e não o do colega.
A pessoa que chora dizendo que ninguém faz nada por ela é a mesma que nunca fez nada por ninguém, o que paga mil reais em um videogame de primeira linha é o mesmo que vai citar o gasto supérfluo dos outros com um tênis ou um celular de última geração, o que tira as cadeiras da copa para os preguiçosos não sentarem-se é o que vai colocá-las lá de volta quando sentir que precisa sentar e o que reclama da solidão é o mesmo que despreza toda e qualquer probabilidade de aproximação.
São sempre dois pesos e duas medidas. São sempre os outros e não o eu. O problema é o mundo ou eu então?


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