Hallelujah


Eu levantei da cama com o coração partido mesmo antes de enfrentar o dia que eu sabia que iria parti-lo. Eu sempre tenho essa impressão de que ter esperança dói e eu só conseguia imaginar o tamanho da dor de alguém que acorda esperando por um verdadeiro milagre. O medo de esperar por milagres foi sempre tão grande dentro de mim que, muitos anos antes desse dia, eu já havia decidido ser doadora de medula óssea, imaginando qual não seria a sensação de se ter nada mais que um fiapo de esperança e ver essa luz no meio da escuridão, qual não seria a sensação de salvar uma vida que quase não esperasse ser salva.
Eu fui o caminho todo me sentindo um gado no meio de um grande rebanho e eu me sentia um gado bem pequeno. Irônico que eu seja literalmente tão miúda porque existem momentos em que o mundo me faz sentir exatamente assim, como um inseto, um grão, um germe. Quando cheguei lá, encostei-me no portão e fiquei olhando a multidão ao meu redor, pensando em quantas pessoas ali desejavam o mesmo que eu, um senhor com cara de aposentado, uma senhora com jeito de madame, dezenas de jovens esperando pelo mesmo futuro. Foi uma sensação parecida com a de esperar na ante-sala de um emprego que se deseja muito, ou à espera do resultado de um exame médico importante, ou algo muito maior do que essas coisas. Com a cabeça baixa, encostada ali no portão, eu me via indefesa, sozinha, cansada e não consegui evitar as lágrimas que já estavam transbordando sem que eu tivesse qualquer controle de mim, então só pude desejar e evitar que algum conhecido me visse ali tão vulnerável, porque a última coisa que eu queria naquele dia era fingir mais uma vez que estava tudo bem.
Eu embarquei nessa viagem com um desejo tão grande de que tudo desse certo que às vezes até esquecia que sempre existem probabilidades de que as coisas aconteçam de uma forma diferente, e que mesmo quando acontecem coisas que na nossa cabeça são o fim do mundo, felizmente para o mundo não é o fim, nem é nada.
Isso foi há muito tempo e eu ainda sinto aquele frio na barriga quando ouço a música que ouvia aquele dia. Como dizia o poeta "lembrar-se é viver outra vez"...



Fez tanto luar que eu pensei nos teus olhos antigos
e nas tuas antigas palavras
O vento trouxe de longe tantos lugares em que estivemos
que tornei a viver contigo enquanto o vento passava.

Houve uma noite que cintilou sobre o teu rosto
e modelou tua voz entre as algas.
Eu moro, desde então, nas pedras frias que o céu protege.
e estudo apenas o ar e as águas.

Coitado de quem pôs sua esperança
nas praias fora do mundo…
Os ares fogem, viram-se as águas,
mesmo as pedras, com o tempo, mudam.
(Cecília Meireles) 

Comentários

Postagens mais visitadas