Ciúme de você



Relacionamentos não são fáceis e isso todo mundo já sabe. Não importa se a relação é com os colegas de trabalho, família, amigos ou no namoro/casamento. O certo é que no campo amoroso as coisas tornam-se um pouquinho mais complicadas, principalmente quando se enfrenta uma situação que envolve o ciúme.
Antes de mais nada, saibamos que existem tipos diferentes de ciúme: o ciúme como um mero sentimento, o relacionado à família, aquele que vem em conjunto com a inveja e o ciúme patológico, entre outros. Nesse texto refiro-me mais ao ciúme patológico, que é aquele visto pela psiquiatria como uma espécie de paranóia: “Para o ciumento, a fronteira entre imaginação, fantasia, crença e certeza se torna vaga e imprecisa, as dúvidas podem se transformar em idéias supervalorizadas ou delirantes”. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Ci%C3%BAme)
Existe uma frase, muito pronunciada pela minha mãe, que diz que “tudo demais é veneno” e eu acredito que ela é válida para quase tudo na vida, assim como para esse sentimento foco da postagem, afinal de contas, sentir ciúmes “bobos” de vez em quando não faz mal a ninguém. Tem gente que tem ciúme do amigo que foi passear e não convidou, do cachorro deitado no colo de uma visita, do visual extravagante do parceiro, do elogio feito à pessoa do lado, do chefe exaltando um colega de trabalho, entre muitas outras coisas... Mas são sentimentos controlados, ou seja, no máximo prejudicará o humor do próprio ciumento, não impedirá que o dia termine bem e costuma passar bem rápido. Mas ah se todo ciúme fosse simples assim...
Quem nunca ouviu falar de crime passional? Aquele em que o principal motivo do crime é o sentimento de possessividade em relação à outra pessoa, e em que se deseja ter o amor reconhecido como único, pois se isso não acontece, a pessoa resolve cometer atos contra a vida da outra. Basta ligar a TV e passar pelos canais de notícias para se deparar com a história de alguém que foi lesado por algum motivo passional, histórias de pessoas humilhadas, prejudicadas, mutiladas e às vezes até mesmo assassinadas por motivos aparentemente estúpidos, em que o combustível principal foi o ciúme e a famosa “cabeça quente”. Quem sente ciúme exagerado pode partir de uma pequena atitude como um grito ou um soco “de leve” na mesa para uma agressão maior, moral ou física, pois esse tipo de sentimento “domina” a mente da pessoa, fazendo-a entender e acreditar em coisas que muitas vezes nem sequer existem.
Nem sempre, claro, culmina em violência propriamente dita, mas a palavra-chave para o ciumento, em geral, é a desconfiança, porque é isso que faz a pessoa sentir do jeito que se sente em relação à outra. Dessa maneira, o ciumento patológico costuma julgar o outro como se as palavras e expressões do outro não tivessem validade, não fossem reais, mas apenas o que se passa em sua mente. Daí vem o julgamento de uma situação que a pessoa nem sabe se é realidade, pois existe com base apenas em suas próprias convicções e pressuposições, além das tomadas de decisões erradas e precipitadas, o que transforma a situação em  um absurdo, pois imagina se decidíssemos, de repente, julgar as pessoas ao nosso redor pelo nosso ponto de vista e só? Sem acreditar no que o outro está dizendo, sem confiar nas intenções das pessoas, apenas em nossas próprias suposições do que o outro está pensando e sentindo. É provável que ninguém mais poderia viver em um relacionamento, talvez nem mesmo viver em sociedade.
Dificilmente a pessoa ciumenta assume que assim seja, mas esse é um tipo de cegueira ou ignorância que simplesmente transforma-a em outra pessoa, descrente, rude e, às vezes, impossível de controlar ou de manter um diálogo saudável. É uma pena, pois quantos relacionamentos não se desgastam e até acabam muito antes do que deveriam por coisas desse tipo? Quantas pessoas deixam de ser felizes juntas e acabam vivendo tristes e sufocadas? Não existe compreensão que desfaça esse tipo de ciúme. Não existe sonho que supere. Infelizmente, só depende da força de vontade de quem sente em desejar mudar, em desejar acreditar. E nos casos mais críticos, em desejar se tratar.

Se Otelo é o clássico mundial de obras literárias sobre o ciúme, no Brasil esta honra cabe a Dom Casmurro, de Machado de Assis. Até hoje é motivo de aceso debate se Capitu traiu ou não o marido com seu melhor amigo, Escobar. A questão, no fundo, é irrelevante, pois para entendermos o perfil psicológico de Bentinho, basta sabermos que ele acredita ter havido adultério.

Também é irrelevante se o fato que desencadeou o ciúme - a forma intensa com que Capitu fitava Escobar no velório deste, perturbando Bentinho a ponto de impedi-lo de pronunciar o discurso fúnebre – ocorreu na realidade ou apenas existiu na imaginação do personagem.

No despertar do ciúme, teve papel certamente preponderante o sentimento de culpa que carregava Bentinho por não cumprir a promessa de sua mãe, de tornar-se padre e daí o ressentimento inconsciente contra Escobar, que o ajudara a dissuadir a mãe de seu intento, permitindo seu casamento com Capitu.

A culpa e o ressentimento eram tão fortes que Bentinho esteve a ponto de suicidar-se. Não o fez e depois de ter perdido a mulher e humilhado a ela e ao filho, se tornou o Dom Casmurro do título.



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