Sensações de (in)justiça

Posso dizer que ontem, por um motivo aparentemente bobo, que talvez só eu entenda, sentei na poltrona do ônibus, voltando pra casa, com um alívio imenso e imediato que há muito tempo eu não sentia...mais ou menos a sensação de alma lavada, leveza de pluma, tranqüilidade de brilho de lua. Uma sensação de tirar um peso enorme dos ombros (que nem eram os meus), embora tenha sido ainda tão ínfimo perto do que eu sei que está por vir, mais cedo ou mais tarde.
Lembrei de um filme que assisti há algumas semanas e, no momento em que assisti, odiei do fundo da alma, porque não vi saída. Talvez pelo meu estado de espírito naquele dia, talvez por odiar todo tipo de injustiça do mundo, não sei, mas julguei precipitadamente. Não que eu tenha mudado completamente minha opinião a respeito, pois realmente não era o meu estilo de filme preferido, mas avaliando melhor, depois consegui entender ao menos a intenção do diretor, que talvez tenha sido justamente mostrar que coisas ruins acontecem de verdade na vida da gente e que, frequentemente, não podemos fazer nada para evitar. O nome do filme é Dançando no Escuro, estrelado pela Bjork, e para quem não gosta de filme super dramático e depressivo, ou pra quem costuma chorar muito vendo esse gênero, eu realmente não recomendo.
O fato é que Dançando no Escuro me trouxe uma reação que considero diferente, porque em vez de chorar rios de lágrimas, como acredito que a maioria das pessoas fariam vendo a estória da coitada da protagonista Selma, eu me senti injuriada, irritada e estressada. No final das contas, surpreendentemente, ele acabou trazendo uma grande reflexão sobre mim, ao ponto de eu me conhecer um pouquinho melhor, trazendo à tona todo o sentido que carrego no símbolo de meu signo: uma balança. Todo mundo tem tolerâncias diferentes para todo tipo de coisa, tem gente que não suporta hipocrisia, outros odeiam falta de educação, outros preconceito ou falsidade, etc. O meu ponto fraco são as sensações de injustiça. Seria o meu “calcanhar de Aquiles” emocional. É o que me devora por dentro, me traz amargura, me faz chorar, me tortura. E não precisa acontecer apenas comigo, basta que seja com um amigo, parente, conhecido ou até mesmo um desconhecido.
Verdadeiramente estamos rodeados muito mais dessas sensações de injustiça do que de sensações de justiça em nosso dia-a-dia, desde quando enfiamos a chave na porta pela manhã até o momento de voltar pra casa à noite. Pode ser na loja do shopping onde você foi mal atendido, no momento de silêncio após uma discussão, na promoção ou reconhecimento não alcançado no trabalho, no fim de um relacionamento, na relação com a família, entre muitas outras coisas. A verdade é que é quase insuportável para mim ver um cachorro abandonado na rua, uma criança pedindo esmola, as diferenças sociais, a corrupção, manipulação, a distorção da verdade ou até mesmo minha própria consciência. Sim, eu odeio principalmente as injustiças que eu mesma cometo. E é muito difícil saber lidar ainda com essas sensações, então elas refletem no corpo, que responde com dores que parecem insanáveis.
Eu poderia não sentir nada disso, simplesmente relaxar, seguir em frente, deixar rolar, mas devo admitir que o lado bom dessas sensações é poder esperar ansiosamente pelo dia em que poderei olhar por cima dos ombros e não dizer absolutamente nada. Só deixar que as coisas se movam, que o mundo gire, que a vida mostre, como tem que ser. Porque as grandes verdades não precisam ser ditas, elas simplesmente se mostram, aparecem com o passar do tempo. Nesse dia, vou sentar no sofá da minha casa, com uma caneca na mão e os olhos marejados de emoção, com um sorriso inconsciente no rosto e uma impressão de satisfação inexplicável no peito, tão grande e tão gratificante quanto saltar de pára-quedas e não morrer. Eu sei que talvez nem faça muito sentido, mas em minha cabeça passará uma única coisa que eu diria repetidamente, a quem quer que estivesse me ouvindo: obrigada. Eu esperei muito por isso.


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