You're my lobster

Eu nunca tinha vivido uma dor daquele jeito, que parecia dilacerar o meu peito. Viver era um sacrifício e não era por causa simplesmente do fim de um relacionamento, eram fatores misturados no decorrer de uma vida inteira, era a minha personalidade pedindo pra que eu aprendesse a me entender, eram as minhas angústias desabrochando, era a vida adulta se instalando em meu cérebro ainda imaturo para essas coisas. A maior verdade que eu descobri nesse período foi que a gente só amadurece de verdade quando sofre.
Eu tentava ler, ouvir música, bater papo, mas nada adiantava. O único desejo latejando em minha mente era de sumir do planeta, entrar em um coma profundo ou morrer de uma vez. Eu não tinha amor por mim nem via amor nas pessoas ao meu redor, ficar sozinha era um sacrifício muito grande e meus pensamentos me torturavam o tempo todo. Estava cansada de mim, do meu rosto, dos meus erros, da minha vida, enfim. Em um dia cinza como quase todos eram naqueles dias, entrei no ônibus e sentei com um amigo não tão próximo, e a conversa mais profunda do que o usual me fez sentir melhor. Refletir não era algo que eu estivesse a fim de fazer naquele momento, porém, ouvindo aquela voz suave e ao mesmo tempo firme, de quem sabia do que estava falando, de quem tinha experiência suficiente para me entender muito além do que eu mesma conseguia, aquela voz acalmou a minha alma por alguns minutos, mas logo ele teve que descer e me deixou com a sensação de vazio de novo. De tanta carência afetiva, pensei ter sentido um beijo de despedida meio na boca, meio na bochecha, mas não tive certeza e escolhi pensar que senti errado.
Aquele era um amigo não tão amigo porque era um daqueles amigos que temos nessa vida moderna e sabemos que não são assim tão amigos porque estão lá naquele lugar que a gente freqüenta, mas não vão à nossa casa e não nos ligam só pra dizer um oi. Era um amigo do trabalho, mas poderia ser do clube, da faculdade, da vizinhança. Um amigo com quem eu poderia conversar em um momento oportuno, em que coincidentemente estivéssemos próximos, mas que eu sabia que não poderia chorar em seu ombro ou tomar seu tempo com histórias e confidências pessoais. Para não dizer “colega de trabalho”, que soa frio, distante e vazio demais, era um “amigo do trabalho”.
Eu olhava ao redor e ficava com aquele pensamento pessimista de sempre, que havia aumentado muito de intensidade nas últimas semanas, e pensando na distância que aquele emprego formava entre eu e as pessoas que eu amava, na separação inevitável entre eu e meus antigos amigos do trabalho, ou seja, entre eu e as pessoas que me davam força. Me sentia no meio do nada, sem ninguém, apenas uma pessoa dependente emocionalmente de todos, uma pessoa útil apenas profissionalmente e sem saber até quando. Logo eu, que vivia rodeada de gente alegre, saindo todo fim de semana, de repente me vi caindo no esquecimento, me vi tentando inutilmente um novo caminho, sentindo-me a pedra no meu próprio sapato, e sem ter absolutamente ninguém com quem conversar. Até que um dia, cansada de chorar, resolvi mudar. Mudei minha rotina como quem muda de roupa e essa mudança repentina trouxe melhorias para meu humor, esse bom humor atraiu pessoas e em uma dessas reviravoltas que a vida dá, encontrei o meu lugar. Troquei o salto alto pelo tênis e fui caminhar, andava uma hora até o ponto de ônibus e ia pra casa com uma sensação de dever cumprido. Queria perder peso, elevar minha auto-estima, melhorar o astral, voltar a ver sentido na vida. Em uma dessas tentativas reencontrei aquele “amigo do trabalho”, que de vez em quando costumava me fazer companhia até o ponto de ônibus. Houve algumas ocasiões em que conversamos sobre coisas da vida e ele me fazia sentir muito bem, mas ao mesmo tempo, no fundo, admito, sentia-me mal porque quando o egocentrismo falava mais alto, eu sabia que nunca seria capaz de conquistar um homem como aquele. Eu me sentia tão pequena diante dele, um homem tão bonito e extremamente inteligente, dono de uma força imensurável e de uma história de vida impressionante. Certa vez comemos uma pizza juntos, quando fiz a matrícula em uma faculdade onde ele havia estudado. Encontrei-o casualmente no metrô e ele resolveu me fazer companhia até o fim da noite, quando decidimos comer alguma coisa. Confesso que na ocasião eu ficava, sem querer, imaginando como seria ter um homem como aquele sentado à minha frente. Olhava a foto na rede social e pensava como eu nunca seria bonita ou inteligente o suficiente para estar com alguém assim, pensava na sorte daquela menina ao lado dele na foto, na beleza inegável dela, na combinação perfeita que os dois formavam, e isso, de uma forma bem egoísta, me deprimia. Naquela ocasião, conheci um pouco mais de sua história, que eu já havia conhecido superficialmente no ambiente de trabalho. Eu não me cansava de ouvir aquela história, parecia para mim, coisa de filme, sentia meu coração acelerar ao ouvir e sonhava com um homem daquele pra mim, para que eu pudesse abraçar e beijar, fazer amor, ouvir e compartilhar a minha vida. Mas naquela noite eu sabia que não passaria de uma pizza.
Depois do fim do meu relacionamento, e da superação dos piores dramas vividos em decorrência dele, eu chamei aquele amigo para tomar um vinho. Minhas intenções não eram das melhores, confesso, pois assim como um viciado em drogas que em plena euforia, busca mais e mais droga, quando em alto astral eu buscava coisas que pudessem me trazer alegria. O problema é que essa busca nem sempre era a mais sensata. O caso é que o tal amigo do trabalho estava em um relacionamento, no mínimo sério, e sua postura era de um rapaz “certinho” demais para ceder aos meus encantos, ainda assim, como quem não tinha “nada a perder”, resolvi ir sutilmente brincando com fogo, até que um dia a tentativa deu certo e troquei a caminhada pelo vinho, sem pensar duas vezes. Eu havia pensado em algo simples como um vinho barato, poderia ser até um boteco onde a gente compraria uma garrafa, pegaria dois copos descartáveis e beberia na praça, mas em vez disso, fomos a um lugar digno de quem me levava, sim ele era um “jaguar”. O lugar era elegante, mas não a ponto de me fazer sentir uma gata borralheira, era uma elegância sutil e a noite começou a se transformar dentro da minha cabeça. Acho que era o efeito do vinho, e era o efeito que eu queria, danada que sou, tinha tramado tanta coisa na mente perturbada mas nem pretendia colocar em prática tão rápido, o problema é que minhas ações já não respeitavam muito os limites impostos pelas idéias, que nem estavam funcionando mais com lógica nenhuma. O instinto falou na frente e quando menos percebi estava acariciando a barba e o rosto daquele deus grego à minha frente como se não houvesse ninguém ao redor e, nem mesmo a falta de reação dele, causou constrangimento ou freiou os meu instintos. Depois da noite agradável no restaurante, como um verdadeiro cavalheiro ele me levou até a estação de trem, onde, inquietantemente, resolvi escancarar a verdade e pedir-lhe um beijo. Somente sendo muito insana para fazer algo assim, mas eu sabia que tinha a ”desculpa” da embriaguez para me cobrir. Para minha adorável surpresa, o amigo disse “não”. Foi um não que escolhi não ouvir, um não que eu não aceitaria, um não que desafiaria até transformar-se em sim, um não que eu sabia ter limites, mas esse não foi mais forte do que eu e entrei no trem sozinha, sentindo-me a escória do planeta, imaginando como seria o dia seguinte, em que eu olharia para ele e fingiria não sentir nada, não desejá-lo, não sonhar com seus lábios, não querer tê-lo pra mim. Inútil, quem brinca com fogo só pode se queimar.
No dia seguinte não dei as caras no trabalho, nem no outro dia, estava doente. Não era tão grave assim, mas o suficiente para me fazer ficar na cama. Logo veio o fim de semana e eu sabia que na segunda-feira não haveria como escapar, teria que comparecer. E compareci. Não saí do meu posto um instante sequer, exceto para ir ao banheiro, mas logo ele veio falar comigo e pensei “ que mico meu Deus”, mas quando ele abriu a boca eu vi que o tiro havia acertado em cheio e que talvez eu não tivesse do que me envergonhar. Ele disse “sonhei com você” e aquilo encheu minha alma de esperança. Não é que eu quisesse destruir o relacionamento do rapaz, sério que não era isso. Na verdade, nem mesmo se tratava de ter um namorado ou alguém pra conversar, porque isso eu sabia que iria encontrar em qualquer lugar, mais cedo ou mais tarde. O fato é que conquistar aquele homem era mais do que um desafio, era como voltar a acreditar no mundo e na vida, porque não se tratava de um homem comum e isso havia se confirmado na sua negação de um beijo meu. Sem nenhuma modéstia, diante daquele clima, qualquer homem teria cedido. Mas eu não estava diante de qualquer um, só não sabia ainda qual era a profundidade da questão. Aquele homem era mais do que eu esperava e tê-lo comigo era mais do que ter um amor ou ma paixão, era ter uma amigo, um amante, um ser humano, tudo ao mesmo tempo. Quando menos percebi, eu estava apaixonada pelo meu amigo do trabalho e aquilo não tinha mais volta, eu sabia disso. Tentava o tempo todo me concentrar em não acreditar demais porque eu não queria esperar nada que ele não pudesse me dar, não queria me envolver em mais um relacionamento complicado, não queria ser apenas mais uma, só queria alguém de verdade pra mim, alguém que fosse muito além do que um cara bacana, muito além do que tudo que eu havia conhecido até ali, e esse alguém, lentamente, sem que eu percebesse direito, passava a ser “meu”...
"...é um fato conhecido que lagostas juntam as patinhas e ficam juntas pra sempre..."

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