A marca de um "x"

No pescoço dele há uma marca única desde o nascimento e que foi se tornando mais profunda e definida com o passar dos anos. Essa marca forma um “x” e foi muito queimada pelo sol quente das jornadas incansáveis de um trabalho árduo de mais de quarenta anos. A cor avermelhada da pele é suficientemente forte para contar uma história que iniciou-se em 26 de fevereiro de 1950, na cidade de Pombal, estado da Paraíba, saindo do ventre de uma mulher pequenina, de cabelos ondulados e que foi casada por muitos anos com um único homem.
Naquela época seu futuro era quase certo e eu consigo imaginar a casa onde ele havia crescido. Quase consigo ver o quarto com uma única rede no meio, o chão e as paredes de barro, o pote d’água, o fogão à lenha na cozinha, o quintal sem muros, o açude e a roça. Imagino as galinhas correndo de um lado para o outro e o cachorro magro deitado na calçada, ao lado da cadeira de balanço e da porta dividida ao meio, separada em duas. Até sinto o cheiro de tapioca, do feijão de corda e da tranqüilidade com que se vivia.
Esse homem um dia resolveu deixar tudo isso pra trás para perseguir um sonho, formar sua própria família e ter uma vida mais digna. Para isso, ele quase se matou de trabalhar: para criar os filhos e oferecer-lhes o melhor dentro de suas possibilidades. Ele ofereceu os pés para que brincassem até o adormecer, os cabelos brancos para que arrancassem enquanto descansava, as costas para que fizessem cócegas, os braços para que sentissem-se abraçados, contou histórias engraçadas e fez com que o mundo parecesse mais bonito do que realmente era. Ele compôs músicas e paródias com um violão surrado, escreveu poemas belíssimos, cartas românticas e fez desenhos perfeitos com apenas um lápis e papel de pão. Nos momentos mais difíceis, como qualquer ser humano, nem sempre soube o que fazer, mas nunca deixou o desânimo tomar conta da situação. Nos piores dias disse “amanhã é sempre um novo dia”. Todo dia, sua presença transforma o mundo em um lugar melhor, cheio de vida e alegria, seja pelo cheiro do café, as bananas na fruteira ou pelos quadros pintados e pendurados na parede. Não dá mais para arrancar seus cabelos brancos ou sentar no seu colo, eu sei...ainda assim, nunca é demais dizer que saudade é como fome, e que só passa quando se come a presença, nunca é demais ligar pra perguntar como está ou qualquer coisa assim, nunca é demais abraçar e beijar alguém que merece muito mais do que esse mundo é capaz de oferecer. Pra ele, nada é demais, porque ele merece tudo.

by Benedito Gomes de Lima

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