Colo de Deus
A gente se importa com a escova de dentes que foi guardada fora do lugar que a gente considera o correto, com o jeito de colocar a comida no prato sujando todo o fogão, com o tipo de roupa que foi usada para a ocasião esporte-chique, com as frases que às vezes não querem dizer nada mas onde a gente enxerga tudo, com o chão marcado de pegadas. A gente interpreta as coisas do nosso jeito muitas vezes ignorante sobre as intenções reais do outro, e egoísta, a gente julga errado e se frustra, se machuca, se ilude. A gente se importa com tudo e fala a respeito de tudo como se fosse verdade, como se fôssemos donos da verdade, mas quando esse tudo se acaba só fica o vazio do nada espalhado pelos cantos da casa que era pequena e de repente parece grande demais.
No lugar onde ele dormia, ficou um vazio enorme, apenas a parede manchada próxima a onde tive que colocar o par de pantufas de que ele tanto gostava, que parecem ainda mais inanimadas agora que entro e vejo elas em vez dele, ao lado da minha cama. Por diversas vezes tive que escondê-las para impedir que ele pegasse, e perdi a conta das vezes em que cheguei em casa à noite e encontrei as pantufas de novo fora do lugar, embaixo de sua cabeça ou de uma das patas, como quem desejava mostrar que deveria protegê-las de alguma coisa ou simplesmente chamar minha atenção. Muitas vezes peguei minhas meias, tiradas de dentro dos sapatos e levadas para sua cama, onde dormia com elas sob a cabeça, servindo de travesseiro. Nas minhas noites vazias eu fitava ele dormir, observava atentamente seu sono que me servia como um tipo de calmante antes de dormir porque era lindo demais de se ver. Era um sono tão puro e profundo que parecia com o que imagino ser o colo de Deus.
A verdade é que, no decorrer dos últimos cinco anos, ele tornou-se realmente meu melhor amigo, pois era o abraço mais verdadeiro que eu recebia toda vez que chegava em casa, o choro mais sinceramente saudoso quando eu saía, a alegria mais contagiante quando recebia carinho. Se existe um amor maior, mais puro, inocente e verdadeiro do que esse, certamente não conheço, e acho que nunca irei conhecer. Saudade é pouco...
“Cães não precisam de carros luxuosos, casas grandes ou de roupas chiques. Água e alimentos já são o bastante. Um cachorro não liga se você é rico ou pobre. Esperto ou não, inteligente ou não. Dê o seu coração e ele dará o dele. De quantas pessoas podemos dizer o mesmo? Quantas pessoas fazem você se sentir raro, puro e especial? Quantas pessoas nos fazem sentir extraordinários?” (Marley e Eu)
Pumba, meu melhor amigo |
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