Um relógio, um significado
Um espaço que já teve muito sentido pra mim, tudo começou ali. No momento em que passei da portaria eu não sabia, mas sem querer estava selando uma trajetória de bastante gratificação e nostalgia. Tudo em minha vida parece nostálgico demais. Eu nunca tinha conhecido um lugar como aquele e uma oportunidade como a que se abriu pra mim não aconteceria duas vezes na vida. Para mim aconteceu há onze anos, em um pequeno momento dentro de mim, em que eu rezava para que algo especial acontecesse antes de eu perder as esperanças por completo. Como uma luz no fim do túnel, entrei sem saber se era um trem ou uma expectativa de vida. Um sonho realizado, ou mais do que isso. Eu me apeguei a esse sonho como o urso que, irracional, não solta a tina que lhe queima o peito, por causa da comida. Eu tenho uma estranha mania de não largar aquilo em que acredito mesmo que isso me machuque tanto, porque odeio profundamente a sensação de desistir de alguma coisa.
Eu sabia que estava em um lugar mais do que especial, que moldaria algumas características minhas para sempre, sabia que fazia parte de algo grandioso e magnífico, e durante muito tempo isso foi o que me manteve e me fez acreditar que valia a pena continuar. A filosofia por trás de tudo era muito mais importante para mim do que as paredes bem pintadas ou os móveis bonitos. A iniciativa de contribuir para o desenvolvimento do país, o envolvimento em algo único, interessante e inovador. O que me move é a profundeza das coisas. Até tirar o relógio (ganho na formatura) do pulso, demorou muito tempo.
Os laços que me ligavam a essa instituição eram as idéias de seu fundador, o altruísmo pregado por ele, a responsabilidade social, a noção de mundo que ele passava, de que todos devemos ser iguais em dignidade e respeito, sem diferença social, a idéia inovadora de educação que ninguém no país teve coragem de implantar de forma gratuita, a ajuda às pessoas mais necessitadas. Tudo parecia tão valioso e eu mergulhei de cabeça com orgulho nessa história sem perceber, inicialmente, que essas mesmas idéias não se aplicavam verdadeiramente a todos. Até perceber que tudo não passava de mais uma daquelas histórias que servem pra mostrar ao mundo, passaram-se mais de quatro anos. Nada mais era genuíno ou original. Como o enteado apresentado bem vestido e penteado pela madrasta a uma visita, que é obrigado a lavar a louça e ajoelhar no milho quando a mesma vai embora, eu sentia que aquele orgulho de fazer parte desse império já não me trazia a satisfação e motivação de antes, quando eu ingenuamente acreditava que as pessoas se importavam com algo além dos resultados financeiros.
Como uma criança adolescendo frágil, descobri uma realidade que pra mim era e é ainda muito difícil de ser encarada, não apenas nesse lugar que eu amava tanto, mas em diversos outros cantos do mundo. É possível destruir tudo o que há de inovador e motivador nas idéias de uma pessoa e moldá-la de um jeito que quase todo o resto do mundo é moldado devagar. Para que uma pessoa resista a isso e mantenha seus ideais é preciso mais do que força de vontade, é preciso perder a sua vida, matar um dragão por dia, esquecer de si mesmo. É preciso vencer o cansaço, não apenas do corpo, mas da alma. Um estado de exaustão tão profundo que parece sem fim. Posso não ser o que esperavam que eu fosse, mas certamente, o mundo é muito menos do que eu esperava também.
Comentários
Postar um comentário
Deixe seu comentário aqui e não esqueça de se identificar. Beijos!