Viver sem fronteiras
O dia começou frio e chuvoso como
há muito eu esperava. Hoje de manhã a temperatura em São Paulo devia estar por
volta de 15 graus mais ou menos. Fui a única de casa a sair da cama antes das
seis para trabalhar nesta sexta feira que é um feriado prolongado para muita
gente. Felizmente, a compaixão de um novo amigo fez com que eu ganhasse uma
carona para o trabalho e pudesse ficar meia hora a mais no aconchego do meu travesseiro,
minha cachorra e meu cobertor, o que significa muito pra mim, que tenho dormido
sempre muito pouco nos últimos dez anos. Logo que entrei no carro, depois daquele
adorável "bom dia", ele logo disse: "frio bom pra ficar na cama né?", e
eu respondi prontamente "que nada, trabalhar é tão bom", embora concordasse
fielmente com ele naquele momento. Falamos brevemente sobre o assunto para,
quem sabe, aliviar o vazio (ou a revolta) de não folgar nessa emenda de feriado,
e ele concluiu a conversa com a seguinte colocação: "mas bem que
poderíamos trabalhar por prazer e não por obrigação", o que foi o suficiente para me fazer pensar
sobre isso o dia inteiro.
Ao sair do trabalho à tarde, com
a insistente garoa maravilhosa caindo em meu rosto no ponto de ônibus, a mesma
que consegui evitar de manhã, coloquei Talk Shows on Mute do Incubus para tocar
em meu mp3 player, banda que fiquei ouvindo durante todo o feriado e acabei
baixando a discografia completa. Lembrei então da descoberta da veia de artista
do Brandon Boyd, vocalista do Incubus, que tem outros trabalhos incrivelmente
belos, além de cantar, que são as artes visuais que você pode ver por completo no site dele, intitulado Brandon Boyd Art Work, o que me deixou impressionada e feliz. Dentro do metrô, ouvindo minha
banda preferida da atualidade, eu fiquei pensando como seria bom se a reflexão
do meu amigo da carona de manhã se tornasse realidade, se a gente pudesse fazer
algo que a gente ama de verdade, em vez de ter que encarar a vida assim tão
desesperados para sobreviver. Se não dependêssemos de empregos e ofícios regulamentados para ter o que comer ou uma vida digna. Se pudéssemos, desde cedo, dar asas a nossa criatividade, pensar no que queremos e gostamos, escolher, livre de preconceitos, pressões, sem pensar no tempo, na idade, no dinheiro, na aposentadoria ou em qualquer outra limitação que frequentemente enfrentamos quando se trata de trabalho. Sabe "viver sem fronteiras", só que de verdade? Se as coisas pudessem acontecer como na infância, em que sentamos em frente a
uma folha em branco e pintamos despretensiosamente, como se estivéssemos
colorindo a nossa própria vida, sem saber que talvez realmente o façamos,
mesmo que metaforicamente, simbolicamente... E a nossa criatividade voaria longe, livre como um pássaro
recém fugido da gaiola, leve como o vento que sopra aliviando o calor, agressivo como as ondas
quebrando na beira da praia. Seríamos nós mesmos ou mais do que isso,
seríamos maiores do que a nossa imaginação pudesse supor, surpreenderíamos com nossa capacidade de alcance quando não se tem os pés presos ao chão.
Viveríamos uma vida de verdade e não de mentiras. Acredito que existem pessoas que
vêm ao mundo e ganham de presente essa benção, mas não creio que seja a
maioria. A maioria apenas sobrevive, infelizmente. Buscando gostar ao menos um pouco do que se faz, muitos como eu ou você, até
o fim da vida, terão a sobrevivência e não a auto-realização como prioridade. Ou não.
Então você, se não fosse obrigado a fazer
o trabalho de todo dia, o que faria da sua vida? Já pensou nisso?
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