O mundo (corporativo) pelo avesso


Sei que talvez seja ousadia demais da minha parte, mas às vezes é preciso pôr pra fora tudo aquilo que nos aflige antes que esse mal-estar acabe se tornando permanente. Eu quero falar de um assunto corporativo que há muito tempo incomoda e lateja em minha cabeça, tirando o meu sono, minha paz, minha tranqüilidade. Não vou relatar insatisfação com as calçadas ou as janelas da companhia onde trabalho, mas tenho esperança de que haja ao menos uma reflexão sobre as melhorias que vejo como sendo necessárias na gestão de pessoas dentro das organizações, embora saiba que nem sempre as pessoas que lerem esse texto serão as que precisam lê-lo.
Eu não vou entrar no mérito de falar do tratamento dado a um cargo específico, mas de qualquer stakeholder, sejam contratados CLT, estagiários, profissionais autônomos, prestadores de serviço temporários ou quaisquer outros envolvidos com a empresa.
Eu tenho uma experiência profissional de mais de dez anos em empresas de grande porte, embora tratem-se de apenas duas organizações, bem distintas, sendo uma privada do ramo metalúrgico e a outra, uma empresa pública do ramo de pesquisa e prestação de serviços. Apesar da baixa rotatividade, as opiniões refletidas aqui baseiam-se também em relatos diversos de amigos e parentes que compartilham suas experiências de onde trabalham ou das áreas em que atuam.
Percebo, primeiramente, que não existe homogeneidade no tratamento dado às pessoas dentro da organização, o que está muito longe do relacionamento profissional que eu esperava conhecer quando ingressei no mercado de trabalho. É possível visualizar tratamentos diferenciados para pessoas que são amigas ou parentes de dirigentes ou quaisquer pessoas que ocupam cargos de níveis hierárquicos mais altos, fazendo com que se prolifere uma grande sensação de injustiça no ambiente de trabalho. A motivação das pessoas para ir trabalhar todo dia cai para o limite de quase zero e ela seria imensamente maior se houvessem mudanças ou alinhamentos no modo como é gerida a mão de obra, de uma forma institucional, de cima para baixo. Mudanças que ajudariam muito, não apenas os colaboradores, mas também a organização, já que otimizaria sua atividade de retenção dos recursos humanos, reduzindo, conseqüentemente, a rotatividade que muitas vezes é alta em alguns departamentos, causando problemas como a constante necessidade de treinamento e qualificação.
A sensação para um profissional nesse tipo de organização é de extremo descaso e insatisfação, pois ocorre que acaba-se por receber atribuições e responsabilidades para o desenvolvimento de tarefas, sem ter, entretanto, o retorno financeiro justo ou até mesmo autonomia para resolver os problemas que precisam ser resolvidos. Em outras palavras, as pessoas são reconhecidas quando é preciso responsabilizar alguém, mas não na ocasião de participar efetivamente das tomadas de decisões. Nesse tipo de empresa, o funcionário não é sequer tratado como pessoa, como ser humano, que precisa descansar uma vez por ano ou tirar um dia de folga para resolver coisas pessoais, por exemplo. Nesse aspecto, quando solicitada qualquer “regalia”, mesmo com a ciência de que muitas delas são um DIREITO do empregado, a primeira observação dos superiores é lembrar que a empresa precisa de você, o que considero um absurdo, já que, se partirmos desse princípio, ao serem demitidas as pessoas poderiam ter o direito então de alegar que precisam da empresa. É uma cultura absurda de achar que o empregado não necessita ter vida fora da instituição, que ele não pode estudar algo que esteja fora do seu campo de atuação ou que ele não possa participar de processos seletivos em outras organizações, com o intuito de verificar uma oportunidade melhor para sua vida. Assim como a empresa tem um departamento de seleção de pessoal e reserva-se a ela o direito de buscar novos talentos quando considerar necessário e, de repente, substituir você por outra pessoa, por que não podem as pessoas então reservar-se o mesmo direito de ficar de olho no mercado de trabalho e mudar de emprego quando for mais conveniente para elas? Não é nem mesmo inteligente a forma como se assume essa cultura injusta, já que ninguém precisa ser gênio pra saber que um colaborador desmotivado, após pouco tempo de trabalho, vai ter um rendimento muito menor do que teria se trabalhasse satisfeito. E esse mesmo colaborador não terá a motivação para continuar, motivando-se muitas vezes, em vez disso, a procurar emprego, mesmo que ainda veja vantagens em atuar nessa companhia.
A forma como a hierarquia é estabelecida e a presença de chefia em vez de liderança transforma o ambiente de trabalho em uma realidade absolutamente estafante para qualquer funcionário, já que muitas vezes são tratados como máquinas, sem ter nenhuma oportunidade de crescimento real ou liberdade de expressão, sem incentivo à geração de idéias e desenvolvimento, sem envolvimento nos processos importantes de decisão da empresa. São cobrados por atrasos ou faltas mesmo se elas forem justificadas, têm que “bater o cartão”, mas não são nada mais do que números, embora escutem ou leiam com freqüência as frases polidas que dizem que os recursos humanos são o patrimônio mais importante da organização, recebendo um calendário ou chaveirinho no final do ano, como demonstração do tamanho do apreço que a companhia destina ao seu funcionário.
Dificilmente se tem suporte da instituição para a resolução de problemas relacionados ao empregado e qualquer “deslize” que se cometa é suficiente para ser descartado como se descarta um lixo qualquer na lixeira mais próxima, nesses momentos as pessoas são filhos sem pai nem mãe, mas quando é conveniente para a organização, os problemas são resolvidos de forma rápida, ágil e segura, sem nenhuma dificuldade. Tudo conforme a conveniência.
Não me parece certo, não me parece justo que assim seja. Me parece lamentável.
Tudo na vida tem dois lados e esse é apenas o lado ruim da história. Talvez ele esteja sendo expresso agora porque tive um dia ruim ou por um acúmulo de estresse escondido há anos e que agora resolveu aflorar em palavras escritas. Mas o fato é que existem vantagens e desvantagens em cada companhia de formas e modelos diferentes, e que talvez existam umas poucas que tenham essas desvantagens minimizadas, mas certamente eu não conheço ninguém que trabalhe em uma dessas.
Para finalizar, é exaustivo sentir-se tão medíocre por estar inserido em um ambiente onde as pessoas insistem em atuar de forma medíocre, cada um fechado em suas pequenas tarefas sem querer se preocupar com o todo porque não é sua atribuição e perceber a repetição com que essa situação se apresenta no ambiente corporativo. Mais triste ainda é saber que a empresa (ou o país) poderiam ser lugares maravilhosos para se trabalhar se as pessoas estivessem dispostas a serem melhores, se houvesse mais respeito com as pessoas de forma igual, pois no final das contas, o desenvolvimento pessoal é o desenvolvimento coletivo.


Dois textos que li há muitos anos e acho perfeitos para exemplificar:
A Liderança Pelo Exemplo 

Luiz Marins

Anthropos Consulting
Não se iluda. Numa empresa, nada ocorre de baixo para cima. Ou os dirigentes dão o exemplo ou nada ou pouco ocorrerá. Não adianta falar. Não adianta fazer discursos. Não adianta colocar faixas. Não adianta pregar quadrinhos nas paredes com frases de efeito e exortações para a qualidade, para o atendimento ao cliente, para a cortesia, para a prestação de serviços. Se os dirigentes não tiverem um genuíno comportamento e atitudes "exemplares" tudo ficará no discurso, na intenção e pouco ocorrerá de concreto, de efetivo dentro da empresa no dia-a-dia. Essa é a verdade, nua e crua. 
Temos feito várias pesquisas de antropologia corporativa e os resultados são surpreendentes. Se você chega num hotel e é friamente ou rispidamente atendido na recepção, pode ter certeza, o gerente do hotel trata as pessoas e seus funcionários, fria e rispidamente. Se você é tratado com descortesia no estacionamento de um supermercado, pode ter certeza de que o gerente desse supermercado trata as pessoas com descortesia. Se você é tratado secamente pelas enfermeiras e atendentes num hospital, pode ter certeza – a direção do hospital trata a todos da mesma maneira. Se você numa empresa tem dificuldades em ser atendido com uma reclamação ou pedido, pode ter certeza – a diretoria e as gerências têm uma atitude negativa em relação a pedidos de clientes. E assim por diante. Se um garçom atende você mal num restaurante, pode ter certeza de que o dono ou gerente do restaurante trata mal os seus funcionários. Os funcionários de uma empresa repetem as atitudes e comportamentos de suas chefias. Acredite! 
Assim é através do exemplo e das pequenas atitudes e comportamentos que emitimos no dia-a-dia que passamos a visão e os valores de nossa empresa aos nossos funcionários. Não adiantam campanhas, faixas, cartazes, panfletos se não houver o exemplo da liderança, principalmente nas pequenas coisas. 
Tenho visto empresas que gastam tempo e recursos em campanhas institucionais de qualidade, por exemplo. São dezenas de peças – folhetos, faixas, livretos, pôsteres e até palestras falando e disseminando o conceito e a importância da qualidade. Na prática, pouca eficácia têm essas campanhas. Por quê? Porque a liderança da empresa não está "de fato" comprometida com a qualidade. E isso é demonstrado a cada momento, a cada comportamento, a cada decisão da diretoria. Na hora de escolher os fornecedores de matéria prima, escolhe-se não pela qualidade, mas pelo preço. Na hora de comprar equipamentos, escolhe-se não pela qualidade, mas pelo preço. Na hora de escolher a embalagem, escolhe-se a mais barata e não a que melhor protegerá o produto. Na hora de escolher os operadores de logística, escolhe-se os mais precários porque mais baratos. E a qualidade? 
A qualidade fica no "discurso". 
Da mesma forma, vejo os famosos programas de "Encantamento do Cliente". Na maioria das empresas são verdadeiras peças de ficção. Novamente uma campanha é lançada com pompa e circunstância, discursos e coquetéis. Mas na prática, os comportamentos emitidos pelos dirigentes vão em direção totalmente oposta ao tal "encantamento dos clientes". 
Na prática os clientes são considerados impertinentes quando solicitam alguma atenção especial. Na prática são mal atendidos pela diretoria. Na prática, os dirigentes são inacessíveis aos clientes. Na prática tudo o que puder ser "tirado" do cliente e não "dado" ao cliente é a regra do dia-a-dia. 
E o "encantamento do cliente" fica, novamente, no discurso. 
Enquanto os dirigentes e "líderes" não tiverem consciência de que se não derem o exemplo de atendimento, qualidade, comprometimento, atenção aos detalhes, follow up, educação, cortesia, limpeza, respeito, etc., nada disso ocorrerá na empresa, estaremos vivendo a mentira dos quadrinhos e das faixas de exortação. Continuaremos ouvindo a telefonista repetir, com aquela voz mecânica que nossa ligação é a coisa mais importante para a empresa e continuaremos a receber o tratamento frio, descortês, descomprometido e sem os resultados que esperamos, como clientes. 

A Formiguinha Feliz...


Todos os dias, bem cedinho, a Formiga produtiva e feliz chegava ao escritório. Ali transcorria os seus dias, trabalhando e cantarolando uma velha canção de amor. 
Era produtiva e feliz, mas não era supervisionada. O Marimbondo, gerente geral, considerou o fato impossível e criou um cargo de supervisor, no qual colocaram uma Barata com muita experiência. 
A primeira preocupação da Barata foi a de padronizar o horário de entrada e saída, além de preparar belíssimos relatórios. 
Bem depressa se fez necessária uma secretaria para ajudar a preparar os relatórios e, portanto, empregaram uma aranhazinha, que organizou os arquivos e se ocupou do telefone. Enquanto isso, a Formiga produtiva e feliz trabalhava e trabalhava. 
O Marimbondo, gerente geral, estava encantado com os relatórios da Barata, e terminou por pedir também quadros comparativos e gráficos, indicadores de gestão e analise das tendencias. Foi, entao, necessario empregar uma Mosca ajudante do supervisor, e foi preciso um novo computador com impressora colorida. 
Logo a Formiga produtiva e feliz parou de cantarolar as suas melodias e começou a lamentar-se de toda aquela movimentação de papeis que tinha de ser feita. 
O Marimbondo, gerente geral, concluiu, portanto, que era o momento de adotar medidas: criaram a posição de gestor da área onde a Formiga produtiva e feliz trabalhava. 
O cargo foi dado a uma Cigarra, que mandou colocar carpete no seu escritório e comprar uma cadeira especial. A nova gestora de área - claro - precisou de um computador novo, e quando se tem mais do que um computador, a Internet se faz necessária. A nova gestora logo precisou de um assistente (Remora, que já era sua assistente na empresa anterior) para ajuda-la a preparar o plano estrategico e o orçamento para a areá onde trabalhava a Formiga produtiva e feliz. 
A Formiga já nao cantarolava mais, e cada dia se tornava mais irascível. "Precisaremos pagar para que seja feito um estudo sobre o ambiente de trabalho um dia desses", disse a Cigarra. Mas um dia, o gerente geral - ao rever as cifras - se deu conta de que a unidade na qual a Formiga produtiva e feliz trabalhava não rendia muito mais. 
E assim contatou a Coruja, consultora prestigiada, para que fizesse um diagnostico da situação. 
A Coruja permaneceu três meses nos escritórios e emitiu um relatório brilhante com vários volumes e custo de "vários" milhões, que concluía: 
"Ha muita gente nesta empresa". 
E assim ...... , o gerente geral seguiu o conselho da consultora e demitiu a Formiga, por que andava muito desmotivada e aborrecida ......
(autor desconhecido)

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