Segunda chance

O tempo não pára
Quando eu era criança minha mãe costumava cantarolar todo dia as mesmas canções e, de fato, até hoje ela faz isso de forma meio inconsciente, enquanto cozinha ou lava louças. Me recordo de uma música em especial que dizia “Felicidade não existe. O que existe na vida são momentos felizes” e eu fiquei pensando hoje como essa frase ganhou sentido pra mim depois de alguns anos. Há alguns dias morreu Steve Jobs e  deixou um lindo discurso em que mencionou “a morte é provavelmente a melhor invenção da vida, é o agente de mudança da vida”... e eu achei uma das declarações mais fantásticas de todos os tempos.
Há muito eu queria escrever sobre essa coisa aparentemente inexplicável que surge dentro de mim cada vez que me sinto sozinha no mundo. A sensação que domina minha mente entre o ponto de ônibus e o trabalho, entre um ou outro comentário, entre cada colherada de comida que coloco na boca no horário do almoço, na observação de cada pessoa que passa, na solidão da minha percepção, no sorriso forçado, na saudade de casa, no meu jeito insuficiente, no medo do futuro e do passado. Eu já escrevi sobre a vida dupla sugerida pelo Dexter, sobre o mundo e suas coisas complicadas, sobre saudade, sobre tantas coisas que juntas acabam dizendo muito mais do que eu provavelmente conseguirei expressar nesse texto de agora, mas ainda sinto que não deixei o meu legado.
A gente cresce de repente, achando que a felicidade é uma coisa alcançável e que um dia a luta acaba, que ser bonita como a modelo na capa da revista, que ter dinheiro suficiente para sair ou ter um celular novo é a chave para a satisfação de todas as nossas necessidades, mas a verdade entre as duas frases que citei no primeiro parágrafo é que a felicidade realmente não existe, não é algo que se alcance e se guarde dentro do guarda-roupas como o presente de fim de ano que ninguém pode tocar para não quebrar, é uma conquista sem fim, pois não se mantém constante e nem pode ser qualificada pela quantidade de aquisições no decorrer de um mês ou de um ano e nem sempre corresponde ao que esperávamos. A felicidade não tem um rosto, uma forma, uma receita. Faltava pra mim (até hoje) perceber que não importa o que eu faça, a vida vai estar sempre se reinventando e a luta só termina mesmo quando o fim chega, porque quando “nós somos a morte não existe, e quando ela passa a existir nós deixamos de ser, pior é para quem fica.” Mas é preciso ter muita raça, como dizia o Milton Nascimento em Maria Maria, é preciso ter força e ter gana sempre, porque o descanso é para os fracos e o mundo não perdoa. Cada minuto é tão valioso  e passa tão rápido que nos faz sentir pequenos e impotentes, sem muita escolha, sem muita razão, sem saber direito qual é a decisão certa com a única certeza de que não há uma segunda chance.
A gente às vezes não se liga em fazer planos porque sempre parece que temos todo tempo do mundo e levamos a vida desse jeito meio sonhador, “ou é a vida que leva a gente?”... A maioria das pessoas não pára realmente pra pensar em como gostaria de estar até os trinta, quarenta ou cinquenta anos, nossos sonhos, planos e metas são quase sempre imediatos, mas um dia a gente acorda e percebe que todos os momentos com os quais sonhamos ou imaginamos já chegaram e que a vida ou a felicidade que tanto procuramos é AGORA. O mundo nos engole e nem percebemos direito porque estamos ocupados demais com as contas a pagar, com a escola das crianças, com o vestibular, com  o carro que quebrou, com o fim de semana ou o feriado e nessa onda formamos família nem sempre da forma como planejamos ou com a pessoa que desejávamos, casamos, temos filhos, tornamo-nos responsáveis, “cristãos convictos, cidadãos modelo, burgueses padrão”...Ou continuamos morando com nossos pais, sentindo como se fôssemos alienígenas porque o mundo todo sugere que seja diferente disso e a gente freqüentemente apresenta uma necessidade mais do que estúpida de se encaixar de alguma forma. Sentir-se envelhecer é um grande aprendizado porque a gente aprende o que é essencial, como a enxergar a verdadeira beleza das coisas e das pessoas, a prestar atenção aos detalhes que a gente nunca olhou antes, ter mais tolerância com os problemas e os defeitos alheios, buscar algo além das coisas geralmente fúteis que a gente procura na juventude. Sim, eu sei que não sou tão velha assim, mas a verdade é que tudo isso só me ocorreu porque acabei de fazer trinta anos.




Ainda é cedo amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora da partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção querida
Embora saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões à pó.
Preste atenção querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás a beira do abismo
Abismo que cavastes com teus pés
(Cazuza)

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