5:06

Eu achava engraçado que houvesse uma rigidez tão grande com relação a tantas coisas que eu mesma considerava não tão relevantes, embora estivesse, de certa forma, acostumada a seguir regras, pois naquela época eu ainda não tinha conhecido o mundo direito, e portanto, não me sentia indignada com coisas assim. Ocorre também que, pela falta de vivência ou experiência, propriamente dita, aquele era o meu ponto de referência que se formava. Quando uma criança é criada ouvindo os pais falarem palavrões ou tratando mal os animais, por exemplo, suponho que para ela, essas ações parecerão naturais, até ela crescer e, quem sabe, perceber que não é tão natural assim. Dessa forma eu aprendi a seguir horários à risca, comer em pé e muitas vezes sem parar para lavar as mãos, a não demonstrar fragilidade e a entender que as paredes muitas vezes têm não só ouvidos, mas olhos também.
5:06, portanto, ficou marcada na minha memória como eu nunca imaginei que ficaria, como uma divisora de águas. Hoje mesmo levantei de manhã para ir trabalhar e quando olhei no relógio lá estava marcado 5:06, fiz questão de dormir mais um pouco. Coincidência ou não, é nesse horário que, vez ou outra, eu acordo de manhã, que eu saio do trabalho, que eu chego para um encontro marcado, entre muitas outras situações. Toda vez que vejo os dígitos no relógio, passa um filme na minha cabeça. Acho que a minha vida se divide entre antes e depois desse marco, já que eu nunca reparei nesses dígitos antes, mas depois de uns anos eles passaram a surgir em minha vida de forma mágica e freqüente. É como uma daquelas situações em que você quer comprar um carro, por exemplo, aí você vê ele na rua toda hora, mas na verdade você vê toda hora porque ele está na sua cabeça e não porque houve uma incidência maior dele nas ruas. Mais ou menos dessa forma, 5:06 ficou, para mim, como a lembrança de um tempo do qual eu não sinto a menor saudade, mas pelo qual eu sinto uma inevitável sensação de gratidão, que às vezes até incomoda, por parecer tola demais, mas está lá, presente em minha alma, e tenho certeza de que nunca me deixará. Sabe, como naquele filme Dormindo com o Inimigo? Tem uma cena em que a personagem da Júlia Roberts, mesmo depois de ter se livrado do marido que a agredia e a obrigava a organizar as coisas dentro do armário, se vê organizando os enlatados da mesma forma, com os rótulos todos virados para a frente. Como um cão, que depois de anos preso pela corrente, mesmo depois de solto, fica lá parado, achando que não pode se mover. Quando vejo marcado no relógio 5:06 eu me sinto mais ou menos assim...presa a uma coisa que nem sequer existe mais.


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