A vida é feita de escolhas
Quando ele resolveu tomar uma decisão de verdade, que impactaria em sua vida como Melancholia, do Lars Von Trier, na Terra, já não havia mais escolha a ser feita e certamente foi fácil lembrar da senhora que passou a vida inteira correndo contra o tempo esperando passivamente que surgisse um momento em que pudesse ter tempo para si mesma, até que um dia, quando finalmente tirou o relógio do pulso, o seu tempo havia acabado, sua decisão havia sido tomada sem que ela escolhesse.
O que passava em sua cabeça o tempo todo era aquela nova covardia que havia lhe ocorrido, a omissão e até mesmo negligência em relação a sua própria vida, embora, no fundo soubesse que conseguiria se perdoar por ter sentido tanto medo. Acontece que ele era um sujeito que sempre sentiu falta de “algo mais”, uma coisa que por mais que sonhasse, ela não conseguia lhe dar e ele não poderia fingir para o resto da vida não desejar porque não parava de palpitar e acender em seu peito, como um “fogo que arde sem se ver, uma ferida que dói e não se sente, um contentamento descontente”. Sabia que um dia a vida lhe traria oportunidades e momentos em que seria possível finalmente tomar as decisões que intimamente desejava, que mudariam totalmente seu destino e era muito emocionante sentir tal poder. Ainda que a confusão houvesse se instalado, era divertido estar diante de uma situação tão inusitada, tão diferente de sua vida morna, tão emocionantemente diferente do gelo e monotonia a que havia se acostumado depois de tantos anos. Sentia-se personagem de um livro de aventura, viajando de moto em uma via de trânsito rápido com os cabelos ao vento, vivendo coisas malucas, arriscando, sorrindo e esquecendo da realidade que o esperava em casa, a casa dela que era mais dele do que a dele, ao lado das contas para pagar, da TV e do prato de comida comum. O perigo inevitável e o risco delicioso, a cada novo dia era como olhar para uma ampulheta sabendo que ao final da queda do último grão de areia seria impossível sair sem se explicar, sem se ferir ou sem ao menos machucar alguém que não merecia. O medo tem um poder tão incrível que se para dirigir a própria vida tivéssemos que fazer um exame, quem conseguiria tirar a habilitação enfim? A falta de atitude o fez perceber-se como refém de si mesmo e concluiu, enfim, que não teria a coragem necessária para assumir o que estava sentindo, nem força suficiente para virar as costas à oportunidade que surgia, acreditando ser a forma mais sábia de sair da situação sem se sentir culpado. Simplesmente observou o curso das coisas por meio das decisões alheias sendo tomadas em lugar das suas e uma grande sensação de fracasso dominou suas veias, seu paladar, seu sono. Correu atrás de seu erro tentando repará-lo para que voltasse a sentir o que sentia antes, como quem perde a essência, a felicidade, a alma pelo caminho, e diante da certeza de não haver reparo para tudo aquilo, pois o que estava feito estava feito, tentou muitas vezes aceitar que aquele tinha sido o melhor desfecho para sua história, tentou acreditar que desejava aquele caminho e que foi sua melhor escolha, mas entendeu como era tarde para ter esperanças, pois o tempo de decidir havia acabado, muito embora soubesse que esse poder está sempre diluído nas horas, minutos e segundos de nossas vidas, desde quando levantamos de manhã até quando fechamos os olhos para dormir à noite. A noção de poder sobre suas escolhas foi a coisa mais mágica que aquela aventura havia deixado de lembrança e nada poderia apagar, exceto a incômoda sensação de que tanta coisa havia sido perdida no ato de não fazer nada. Não fazer nada havia sido sua pior decisão, porque além de desprezar o poder lhe dado de graça, como a luz do sol nos é dada de graça todo dia, o poder de mudar as coisas ao seu redor e com isso, de repente, arriscar uma felicidade maior e real, optou pelo igual, o que já possuía, o cômodo e a garantia de viver uma realidade que imaginava ideal sob um ponto de vista turvo demais. Quando as regras começaram a ficar claras percebeu que não havia escolhido o mais certo ou mais errado, nem mesmo o que mais desejava ou que lhe fazia mais feliz. Havia optado simplesmente pelo caminho mais fácil e isso era o mais deprimente que poderia admitir para si mesmo.
"É preciso correr os riscos. Só entendemos direito o milagre da vida quando deixamos que o inesperado aconteça. Todos os dias Deus nos dá - junto com o sol - um momento em que é possível mudar tudo o que nos deixa infelizes. Todos os dias procuramos fingir que não percebemos este momento, que ele não existe, que hoje é igual a ontem e será igual a amanhã, mas quem presta atenção ao seu dia, descobre o instante mágico. Ele pode estar escondido na hora em que enfiamos a chave na porta pela manhã, no instante de silêncio logo após o jantar, nas mil e uma coisas que nos parecem iguais.A felicidade às vezes é uma benção, mas geralmente é uma conquista. O instante mágico do dia nos ajuda a mudar, nos faz ir em busca de nossos sonhos. Vamos sofrer, vamos ter momentos difíceis, vamos enfrentar muitas desilusões - mas tudo é passageiro, e não deixa marcas. E, no futuro, poderemos olhar para trás - porque sempre olhamos para trás - com orgulho e fé como aqueles que tem um sonho a seguir.” (Na Margem do Rio Piedra eu Sentei e Chorei, Paulo Coelho)
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