Se a alma é pequena...

Que sexta-feira linda! Um fim de tarde tão convidativo que ela não poderia evitar sair, ainda mais em um momento de desejo inútil de tentar juntar os pedaços daquilo que não tinha conserto. Lembrou-se daquele cara não sei por que, na verdade sabia: por causa da maldita carência afetiva que rodeava seus dias como um monstro embaixo da cama de uma criança. Era um daqueles dias em que por mais que o sol estivesse iluminando cada canto da cidade, tudo o que ela conseguia enxergar era cinza e nublado.
Havia conhecido esse cara há mais ou menos um mês e ele não parava de ligar e mandar mensagens desde então. Não se cansava, por mais que ela não retornasse e nem sequer atendesse as ligações, chegou a aparecer no seu trabalho! Ela só conseguia ficar imaginando o que o fez ficar tão interessado assim e chegava sempre à triste conclusão de que existem alguns homens que simplesmente não aceitam a idéia de serem rejeitados, por se sentirem especiais demais ou por desejarem constantemente adicionar mais um dígito ao número que faz o seu ego inflar: a quantidade de mulheres com quem saem.
As circunstâncias que a fizeram conhecê-lo foram propícias para o surgimento de nada, nem amizade, nem coleguismo, nem tão pouco algo mais. Insignificante é a palavra que melhor define a primeira impressão, e a primeira impressão geralmente é a que fica. Mas diante daquela sensação de carência afetiva extrema que se acumulou em sua sexta-feira, finalmente se rendeu ao atender o telefone. Estava tentando encontrar uma forma de preencher seu final de semana vazio, de perceber que poderia estar julgando errado, de repente até se dar uma chance de conhecer alguém que poderia vir a ser uma pessoa legal, tentando não se deixar levar tanto pela primeira impressão. Engraçado como as pessoas às vezes se forçam a mudar, conforme a conveniência. Fez então aquele velho jogo emocional, que sempre fazia consigo mesma, em diversas situações, de se colocar no lugar da outra pessoa e ficar imaginando como ela estaria se sentindo, como se sentiria se estivesse em seu lugar, afinal, era perfeitamente possível que esse cara nem sequer soubesse por que ela o estava evitando. E foi ao seu encontro, sem compromisso, mas esperançosa de encontrar ao menos uma conversa boa naquele quase final de semana ocioso.
Como já era previsível, o lugar escolhido era lindo e elegante, um dos melhores bares da cidade, caríssimo para variar. Um desses lugares cheios de gente bonita, música ao vivo, telões e atendimento vip. Um dos lugares que ela provavelmente só freqüentaria em ocasiões muito especiais, lugar que se leva alguém na tentativa de impressionar (ele certamente achava que sabia o que estava fazendo). Logo nas primeiras palavras que trocaram ela deu uma olhada nas mesas ao redor e ficou imaginando o que estava fazendo ali, onde estaria o homem que deveria ocupar aquela cadeira em frente à sua, e em vez disso estava ele, com um sorriso ao mesmo tempo sarcástico e elegante no rosto, uma expressão precoce de vitória.
Era possível ver, de onde estavam sentados, casais de namorados se beijando e se abraçando ao som da música, e até mesmo amigos conversando e se divertindo, e isso a fazia sentir mais só do que se efetivamente estivesse sozinha ali. Em poucos minutos já tinha certeza de que sua melhor companhia naquele momento seria ninguém menos do que ela mesma. Do instante em que chegaram até quando deixaram o local, passaram-se quase exatos 60 minutos, um tempo contado com olhadelas delicadas e freqüentes ao relógio de pulso, tempo muito longo para a conversa (ou o monólogo) que tiveram. Era difícil decifrar qual dos dois era o mais coitado da situação, se ela, por ser obrigada a ficar todo o tempo ouvindo-o atentamente falar sobre si mesmo e concordando com a cabeça, ou ele, por parecer não fazer a menor idéia do que aquela garota estava realmente pensando daquilo tudo.
O mais interessante foi a antítese que a situação instalou em suas idéias. Estava à sua frente, falando sem parar, um homem bonito, elegante, simpático, educado, inteligente e solteiro. Um homem com formação acadêmica de causar inveja, dono de um negócio promissor, com a posse de bens materiais e perspectivas de sucesso. Ela poderia se sentir uma garota privilegiada, poderia sentir-se atraída, mas alguma coisa estava sutilmente errada. Ao leve sinal de queda da máscara sustentada por aquela beleza superficial, algo não a agradava e até mesmo a enojava. Que tipo de homem não tem uma família ou grandes amigos dos quais tenha vontade de falar? Que tipo de homem não sente medo? Que tipo de homem não tem “ligações afetivas”? Que tipo de ser humano não tem consciência de que ninguém é auto-suficiente? Eram as únicas perguntas que pairavam no ar durante toda sua estadia naquele bar...

...não vale a pena

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