E se esse fosse o último dia da sua vida?

Mesmo levantando antes das cinco da manhã [o que é algo inimaginável para muitas pessoas], você ainda pode acordar animado, principalmente se você é jovem, um velho bem conservado ou simplesmente alguém muito otimista. Mesmo se tiver ido dormir depois da meia noite. Ao levantar-se, você vai tomar um banho rápido, de cinco minutos [no máximo] e se vestir com uma pressa tamanha que, mais uma vez, esquecerá a marmita na geladeira ou de passar o protetor solar no rosto. Seja qual for a sua ação, ela resultará em uma perda muito grande no planejamento financeiro que você vem tentando pôr em prática há anos ou no tratamento de meses que você fez pra ter a pele mais bonita. Ainda bem que pelo menos para o rosto você tem um protetor extra na bolsa, o que não se aplica ao bolso, a menos que você decida ter dois empregos, o que é muito comum hoje em dia, e perfeitamente natural.
Mesmo não começando assim tão bem, você tem esperança de que o dia seja bom, mas acaba pegando aquele ônibus lotado, que por vezes, leva todo o seu perfume e paciência embora, a notícia boa é que pelo menos consegue te deixar meia hora mais cedo no trabalho, o que lhe dá tempo para fazer uma boa maquiagem no banheiro, na tentativa de começar o dia com um pouco de autoestima e entusiasmo ou tomar um café reforçado na padaria da esquina, é uma questão de escolha. No decorrer do dia, você se esforça para acreditar nas falsas verdades que lhe são apresentadas e faz de tudo para engolir as coisas com aquele copo d’água, mas logo no horário do almoço, come um prato cheio e mal digerido, com um sabor quase amargo. A indigestão transforma-se em dor de cabeça, dor de barriga, dor de estômago, dor nas costas e dor em tudo quanto é lugar, porque seu corpo começa a dizer que está tudo errado e fora do lugar, reclama daquela dieta saudável que você prometeu e não cumpre há tempos, ficando cada dia mais desolada, decepcionada, inconformada.

À tarde devora um chocolate e mais algumas palavras vindas com o vento, flutuando sem querer pelos ouvidos quando, de repente, vem um  desejo de ir correndo pra casa, encontrar seus pais e seu cachorro, pois sabe o quanto tem desperdiçado seu tempo com pessoas tão menos importantes.
Ao ir embora toma chuva, molha o cabelo, esquece o gorro, corre atrás do tempo e do ônibus que não para, molha os pés na água escorrendo na calçada. Sem guarda-chuvas, sem ânimo, sem sonhos, sem chão, sem ilusão. Enfrenta aquela fila desgraçada do ônibus e paga menos vinte centavos de miséria que lhe foi dada como esmola, que será cobrada disfarçadamente em outros formatos, outras cores, outros nomes. Enganado, tenta ler o livro novo que comprou no fim de semana, mas no balançar da condução, não consegue, fica enojado, só resta dormir, apesar dos pesares. Chegando em casa, percebe que já é muito tarde, não para um banho quente ou um copo de leite morno, não para esticar as pernas no sofá, não para ouvir uma música e relaxar. Mas é tarde para aquela conversa que pensava em ter com seu irmão e que se perdeu no meio do caminho, na sua cabeça a conversa era tão viva que não poderia morrer no caminho jamais. Tarde para olhar nos olhos de quem quer que estivesse te esperando por lá, pois na maioria das vezes já estão todos dormindo. Mas apesar de tarde, alguém te espera sem ter nada a dizer e te saúda, te olha com um amor tão profundo, pula e abana o rabo como se você fosse a pessoa mais importante do mundo. De repente você, você se dá conta de que isto é a única coisa no seu grandioso dia que te faz sentir verdadeiramente especial, que te faz sentir extraordinário. Lembra daquela falada expressão que diz "quanto mais eu conheço os homens mais eu gosto do meu cachorro" e se pergunta mais uma vez "se este fosse o último dia da minha vida, será que eu gostaria de ter feito o que eu fiz hoje?"
Tenham uma boa noite!