Como um cão
Roo as unhas incansavelmente, como
se isso fosse mais do que suficiente para me trazer uma felicidade suprema,
como se o mundo dentro ou fora de mim pudesse ter conserto, como se fosse
possível, em um passe de mágica, como se tudo se encaixasse perfeitamente
naquele instante. Não fosse alguns detalhes pequeninos, quase insignificantes,
desse dia simples de novembro, acredito que nem precisaria em me dar ao
trabalho de escrever ou de levantar da cama mesmo, mas como todo mundo, me
apego à crença insana de que tudo há de dar certo no final e de que tudo deve
fazer sentido um dia, enfim. Um dia como esse, que não foi exatamente frio nem
quente, bom nem ruim, apenas comum, me faz sentir assim, como um bicho
encurralado na mata, como um inseto de barriga pra cima no chão ou simplesmente
como um cão...apenas mais um grão de areia na praia, mais um produto na
prateleira do mercado, mais um sonho na cabeça inocente da criança, mais uma
formiga no formigueiro. Encantadora e monstruosa, inteligente e estúpida,
generosa e egoísta, imperfeita nas perfeições de cada momento. Entender que não
fazemos parte de nada é um dos maiores desafios que a vida humana impõe, em
meio aos medos mais imbecis, as crises idiotas, as buscas incansáveis, os
desejos insaciáveis, as crenças absurdas. Que bicho eu seria se não fosse
humana? Que bicho você seria? Uma ave, um gato, um elefante...um cão?
A vida é mesmo uma tragédia
quando vista de perto e uma comédia quando vista de longe (Chaplin). Quando é
que a gente se dá conta disso, na hora da morte? A gente não sabe quando vai
morrer e ainda assim deixamos tanta coisa pra depois. A perda de peso, a
economia de dinheiro, o “eu te amo” engasgado, o abraço apertado, o pedido de
desculpas, o perdão, a adoção, a dádiva de ser pai ou mãe, a mudança de casa, a
mudança de planos, a mudança de vida, como se houvesse a certeza de uma amanhã
que nos acostumamos pateticamente a aceitar que existe, sem mesmo existir
ainda. É tão simples mas a gente só leva pancada, a gente odeia e a gente
estraga tudo. A gente ta sempre querendo ter razão, mesmo quando não há razão,
como se a liberdade verdadeira fosse a apresentada pela conta bancária ou pela
idade que contamos e que não está com nada. Essa é a realidade? A realidade dos
sorrisos marcados nas fotos publicadas pelos outros que parecem sempre mais
felizes do que a gente?
No meio do caminho as lições mais
importantes que eu aprendi foram: é preciso saber respirar e é preciso saber
apreciar o caminho, se não a gente vive “apesar de” eternamente.
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