Uma usina, o céu estrelado e a Keila


Vou contar duas histórias agora. Uma sobre trabalho e outra sobre o amor, ah o amor...


Eu não conhecia uma usina hidrelétrica e, para falar a verdade, nem mesmo tinha parado pra pensar no funcionamento de uma, até precisar ir trabalhar dentro dela. Semana passada tive a oportunidade de conhecer duas usinas da AES Tietê, que ficam no interior de São Paulo (a aproximadamente 300 km), a usina de Limoeiro e a Euclides da Cunha, a primeira situada na cidade de Mococa e a segunda em São José do Rio Pardo, onde ficamos hospedados eu e mais um colega de trabalho. Tudo em uma usina é gigantesco, tudo! São eixos com diâmetros enormes, quedas d’água de altitudes elevadas, turbinas gigantescas e tudo o mais que uma usina tem. É engraçado o contraste encontrado nessas empresas, pois, ao mesmo tempo que estamos lidando com tecnologias elevadas e maquinários pesados, estamos totalmente inseridos em uma natureza selvagem, cheia de beleza e perigos. E por falar em perigo, risco de acidentes é o que não falta nesse tipo de lugar: trabalhos em altura, em locais de ambiente confinado, animais peçonhentos e muitas outras coisas. Por este motivo, você é obrigado a usar equipamentos de proteção individual (EPI) que mais parecem kits de sobrevivência. Uma parte do EPI é o uniforme, uma roupa pesada que deve ajudar bastante em caso de incêndios ou situações de calor excessivo, para que você se queime menos ou tenha mais tempo para fugir ileso de uma situação desse tipo, ela ainda conta com listras quase fluorescentes que devem ajudar na hora de não ser atropelado por uma empilhadeira ou qualquer outro veículo de grande porte, bem como ajudar também a identificá-lo quando em trabalhos em alturas elevadas ou em ambientes escuros, entre outras coisas. Parece roupa de gari, só que na cor cinza. Além da vestimenta, ainda temos que usar as botas de segurança, com bico adequado para proteger seus dedos de eventuais cortes, lesões, esmagamentos e outras coisas, os óculos que devem proteger principalmente contra acidentes com ferramentas pontiagudas ou partículas que possam entrar nos olhos. Para mim, infelizmente, a principal função dos óculos de segurança eram ficar escorregando no meu rosto e embaçando minha visão a ponto de eu não enxergar nada, devido ao suor excessivo, e machucar as minhas orelhas até causar dor de cabeça. Devo admitir que tive dificuldade em mantê-los no rosto o tempo todo. E ainda tinham os protetores auriculares e, em alguns casos, as luvas de látex ou de pano, dependendo da ocasião. Agora imagina todo este cenário com uma temperatura de aproximadamente 30°C do lado de fora da usina e uma sensação térmica de mais ou menos 40°C do lado de dentro. Parece a visão do inferno, mas calma, que tudo tem um lado bom.
Um dos lados positivos é o aprendizado. Aprendi muitas coisas nesta viagem, não vou ficar escrevendo aqui sobre os detalhes técnicos, que foram muitos por sinal, mas sobre o aprendizado maior que é o trabalho em equipe, a percepção das nossas próprias falhas e limitações, além, obviamente, do trabalho em condições adversas que há muito tempo eu não experimentava. Já trabalhei muitos anos na indústria, mas acredite em mim, é totalmente diferente trabalhar dentro de uma usina. O fato é que estamos falando de riscos muito variados que corremos em relação a nossa vida, por isso a burocracia para entrar também é grande. É preciso ter paciência para preencher a papelada necessária, ter os exames médicos em dia, pedir e saber esperar as informações que precisamos. A verdade é que em empresas deste porte, as pessoas estão muito ocupadas com suas próprias timelines e nem sempre te darão a atenção esperada, mesmo que seja de interesse deles. Nessas horas é necessário focar no trabalho a desenvolver, sem pensar muito nos riscos e problemas. Tem horas que é difícil até mesmo conversar, manter o bom humor ou levar as coisas de forma mais leve, diferentemente de quando estamos no laboratório onde podemos trabalhar mais relaxados, com uma previsão dos prazos, ouvindo música, trocando ideias e sentindo o ar condicionado. A verdade é que a gente se acostuma com tudo, e embora tenha sido difícil, segundo o meu colega de trabalho, que já é veterano em usinas, esta foi uma das usinas mais tranquilas. Apesar de tudo, teve dias que não deixei de ter uma daquelas minhas crises de risos de uns 10min...hahaha



Usina Hidrelétrica de Limoeiro - Mococa
Usina  Hidrelétrica de Euclides da Cunha - São José do Rio Pardo

Um outro ponto positivo, que eu não sei ao certo se é tão positivo assim, mas vale a pena citar, é que, ao contrário do que costumamos viver em São Paulo, lá em São José do Rio Pardo, pelo menos para os trabalhadores das usinas, é possível ter muita qualidade de vida fora da usina, pois dentro dela, como detalhei no começo do texto, acaba sendo um ambiente bem hostil. Uma das coisas surpreendentes é o trânsito, pois o percurso do centro de S.J. Rio Pardo, por exemplo, até a usina de Limoeiro, levava no máximo 20min de carro, sem trânsito nenhum, ou seja, sem o estresse de parar em faróis, buzinar, ser xingado ou diversas outras situações-limite que vivemos em grandes metrópoles como SP. A vida é mais ou menos assim: acordar todo dia num horário razoável, tomar café-da-manhã na calma e ir para o trabalho sem mais problemas. Na volta, a mesma coisa. E mesmo se for de ônibus, o percurso é do mesmo jeito. Tudo tem dois lados.


A segunda historinha que me veio à cabeça essa semana é sobre o amor. O amor embutido em manifestações diversas, de um jeito que eu acredito ser o que nos mantêm civilizados, o amor ao próximo, o que nos faz levantar todo dia de manhã, o amor pela natureza, por Deus, pelo mundo, pela família, pelo trabalho, amigos, mulher, crianças, animais e tudo o mais... No caminho até a usina todos os dias a única coisa que víamos ao redor eram aquelas lindas paisagens que eu fiz questão de fotografar dezenas de vezes. Eram pássaros, matas e rios que pareciam não acabar mais. Há muito tempo eu não via um céu tão lindo, azul, cheio de vida. Me perguntei muitas vezes se eu é que tinha esquecido de olhar para ele ou se o cenário da grande cidade onde vivo destruiu a beleza deste céu, com seus grandes prédios e sua poluição que não nos permite enxergar mais tanta beleza natural. Eu parecia uma estúpida tirando fotos de árvores e fiquei pensando no quanto este tipo de coisa se tornou irreal para muitas pessoas do mundo urbano atual, sabe? Virou coisa de papel de parede do Windows ou para o celular, raridade, coisa que criança vai pensar que ta vendo o papai Noel. 
Verdadeiramente me senti amando esta viagem que me permitiu este contato com a natureza, com as pedras e matos nos quais eu gostaria de ter colocado os meus pés nus em vez de cobertos com os solados de borracha da bota de segurança. A paz de sentar sobre uma pedra, num fim de tarde,  e ouvir aquele ruído maravilhoso do vento soprando em meus ouvidos, ver o sol se pôr com uma cor vermelho-alaranjada, em questão de segundos, e entender que estar vivo é uma dádiva que a gente se esquece de perceber, a gente se acostuma a não perceber isto porque a gente precisa trabalhar e precisa de dinheiro pra viver. Por esse motivo nunca temos tempo pra viver de verdade as coisas maravilhosas que existem neste mundo. Quem curte esses momentos sabe do que estou falando. A gente se sente conectado com alguma coisa muito maior, se sente parte de um todo, do mundo, da terra para onde iremos algum dia. Esse tipo de amor, acredito ser o que nos matem vivos e civilizados, unidos, respeitando uns aos outros, tentando ser pessoas melhores e maiores.







No meio de uma viagem de trabalho eu pensei nisso todos os dias, e pensei também no amor entre as pessoas, no que nos fazia estar ali, o amor pelo nosso trabalho, pela nossa realização profissional, o amor pelos nossos familiares, pelas pessoas que nos esperam em casa. O amor que fazia cada funcionário dentro da usina estar ali, se doando inteiramente, como se fosse o último dia. Esse tipo de relação que nos faz enfrentar tantas coisas e superar os nossos limites para alcançar objetivos particulares e ao mesmo tempo, comuns. Durante todo o percurso de ida e volta, olhando a estrada que naquele momento era só nossa, ainda pensei no amor entre homens e mulheres, ou a paixão de que tanto se fala. Aquela que faz as pessoas perderem a noção das coisas, que faz com que transformem suas vidas e corram atrás do inimaginável, aquela que traz grandes prazeres e decepções, por vezes, igualmente grandes. A paixão que nos engana, nos ilude, nos faz ver ou deixar de ver detalhes tão importantes de cada um, que mais tarde serão surpresas agradáveis ou não. Aquele sentimento que nos embriaga e faz desejar que um seja do outro para sempre mesmo sabendo que o pra sempre não existe de verdade. Paixão que atormenta, enlouquece, enobrece. A mesma que fez o cara escrever em quase todas as placas de sinalização da estrada “Keila te amo“. Fiquei imaginando quem será a Keila, como será a expressão em seu rosto, o que fez com que esse cara precisasse expressar-se desta forma, a que horas será que eles fez isto? Imagino se foi à pé, caminhando na beira da estrada, e ainda me pergunto como estaria sua alma naquele momento, como terá terminado essa história ou se a tal de Keila chegou a ver o que ele escreveu...no final das contas, são todas formas de amar...




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