Be nice (for real)


Era uma vez um menino chamado Joselito. Inteligente e esforçado, ele poderia não ter servido de inspiração para essa história, mas sua educação certamente deve ter contribuído para o desenvolvimento que acabou tendo a vida do pequeno rapaz.
Bem lá no fundo, ele não era uma má pessoa, o problema era a conduta que assumia sem perceber, quando obrigado a viver em sociedade. Acontece que ele ainda era muito menino em seu coração, o que fazia com que as pessoas ao seu redor frequentemente ignorassem ou perdoassem suas ações, embora algumas vezes se perguntassem se, justamente por ser tão menino, ele não deveria assumir um comportamento mais simples ou até mesmo mais inocente, do que as outras pessoas mais adultas e experientes do que ele.
O grande problema do rapaz é que a malícia com que se mostrava e a maturidade que demonstrava, características típicas de uma pessoa já bastante adulta e consciente de seus atos, parecia assumir o comando apenas de forma maléfica e nunca em situações de bem estar. O menino não tão menino aparentava um comportamento muito adulto, com características como astúcia, perspicácia, esperteza e “manipulação” de situações, somente em momentos que favorecessem a ele mesmo, mas nunca parecia utilizar-se dessas características para o bem dos outros ou de forma imparcial ou honesta.
Aos olhos de qualquer pessoa, aquele garoto baixinho, moreno e de olhos castanhos bem grandes, poderia muito bem se passar por uma pessoa razoavelmente bonita. Estava sempre bem vestido e perfumado,  mas para quem prestasse atenção aos pequenos detalhes de sua personalidade obscura, perceberia a essência pesada e negativa que emanava de seus sentidos, coisas que ele disfarçava muito bem com um largo e forçado sorriso e um bom humor oportunamente encaixado no meio da conversa, conforme a situação pedisse.
Quando em ocasiões de confronto, Joselito respondia sempre de forma agressiva, demonstrando não suportar a ideia de ser contrariado, exceto se confrontado por pessoas que ele considerasse “superior” a ele, pessoas que depois de algum tempo, seriam failmente substituídas, descartadas como cartas de um baralho velho.
Ele não imaginava, não sabia nem metade das lições que a vida ensinaria, das peças que ela pregaria e, com grande orgulho e narcisismo, batia em seu peito seguindo com aquele ar de superioridade à sombra de uma espécie de ignorância que não reconheceria tão cedo, por acreditar ser muito mais do que efetivamente era. Considerava-se tão magnífico que às vezes passava horas e horas falando de si mesmo, de suas façanhas e “vitórias” ao mesmo tempo em que ocultava o que considerava “derrotas”, como se não fosse digno de enganar-se ou estar errado como todo e qualquer outro ser humano habitante do planeta terra. Joselito se referia às suas ações certeiras, mesmo que elas fossem mera coincidência ou sorte, sempre como conquistas individuais, ignorando qualquer tipo de autoria paralela ou reconhecimento de pactualidade, renegava créditos a quem tivesse ajudado ou participado de alguma forma da benfeitoria. Por outro lado, referia-se com frequência, aos seus próprios erros de maneira coletiva, como se a falha nunca fosse realmente de sua autoria ou responsabilidade, mas sim de um conjunto de pessoas. Algumas vezes ele chegou, com a sutileza de um gato sobre a mesa de cristais, acreditando não ser percebido, até mesmo a responsabilizar individualmente outras pessoas por deméritos alcançados em conjunto, sem que a outra parte soubesse. Agia de forma antiética e aparentava sagacidade demais para alguém tão jovem e tido como menino imaturo.
Não era nítido para qualquer um que o conhecesse, se esse comportamento era por motivos de má educação, genética ou por falta de caráter mesmo, mas até hoje acredito que fosse uma junção de tudo.
O menino foi ficando adulto “de verdade”, mas nunca conseguia alcançar seus objetivos. Seria por traçar metas grandes demais? Acredito que não, pois muitas são as pessoas que chegaram longe justamente por traçarem grandes metas. Não entendia como tanta gente conseguia realizar-se e ele nunca estava satisfeito. Frustrado, acabava por sentir prazer em exaltar os problemas e deméritos alheios, acreditando que dessa forma, indiretamente, poderia sentir-se melhor em relação a si mesmo. Estava sempre sozinho, sem amigos ou namorada, morava em um lugar onde não se sentia feliz e tinha uma família que não o compreendia da forma como gostaria. Pelo pouco que tinha, no entanto, se gabava em alto e bom tom, para quem quisesse ouvir.
Quando no ápice de sua maturidade, o garoto que já era homem feito, encontrou a felicidade ao lado de uma menina que era simplesmente a mulher dos seus sonhos, e com ela fez planos para o futuro, construindo uma vida juntos. As coisas começaram a fluir e conseguiu um bom emprego em uma multinacional, formando-se no curso superior naquele mesmo ano. Tudo parecia caminhar do jeito certo e para quem o avistasse casualmente na rua, poderia dizer que ele parecia ter conquistado todas as coisas que sempre almejou. Logo Joselito resolveu dar um passo à frente em sua relação com a menina-namorada e comprou um terreno onde planejava construir sua casa de forma perfeita, do jeito que sempre quis. E foi o que aconteceu. Sentia orgulho de si mesmo como há muito tempo imaginava merecer. Construiu sua casa de um jeito único e logo comprou um automóvel para a família, além de oferecer uma festa de casamento exorbitante. Ele mostrava suas conquistas para todo mundo, inclusive para os familiares, quase como se exibisse troféus em um pódio de olimpíada, como se sua vida fosse uma vitrine em exibição, ou um exemplo a ser seguido, como se as outras pessoas não fossem dignas de ter o que ele possuía. Apesar de ter alcançado tanta coisa, ainda se sentia incomodado com as conquistas alheias, desprezando sempre qualquer um que parecesse ter obtido sucesso nas escolhas de vida. Apesar da incontestável força de vontade e determinação, ele continuava aparentando aquela alma vazia, a sensação que passava para os outros era de uma pessoa oca, egocêntrica, que se importava apenas com si e com mais ninguém, mesmo se fossem pessoas próximas, como sua própria mãe ou irmã. Frequentemente falava com muito orgulho e desprezo, humilhava os que considerasse inferiores e tratava as pessoas com extremo descaso e desdém, como fazia desde os tempos de moleque, quando não tinha absolutamente nada. Ao ver um álbum de fotografias de algum amigo, por exemplo, apenas folheava-o como se fosse um panfleto de beira de estrada, mas se avistasse uma foto sua, parava e ficava vários segundos fitando própria imagem impressa. O menino-homem havia piorado com o passar do tempo e aquela carcaça era quase como uma máscara frágil, que ao menor sinal de queda, se quebraria mostrando sua verdadeira face. Ainda assim, havia quem torcesse por ele, para que aprendesse a ser alguém melhor e fizesse por merecer tantas conquistas maravilhosas e dádivas que havia conseguido com grande esforço.
Como uma espécie de sinal ou oportunidade de reflexão e crescimento, Joselito perdeu sua morada, acabou por não conseguir concluir a construção de sua casa e teve que morar de aluguel. Com os ventos soprando contra, teve maus momentos em seus negócios, que acabaram lhe trazendo grandes prejuízos financeiros. Para piorar a situação, a mulher com quem havia se casado lhe traiu com seu melhor amigo e aquele grande amor de sua vida desceu pelo ralo como um fio de cabelo na pia do banheiro. Naquele momento sentiu como se o universo conspirasse contra ele, mas ainda não foi suficiente para que repensasse suas próprias atitudes, não refletiu sobre aquela experiência traumática tentando encontrar as falhas que poderia ter cometido, em vez disso bradou contra sua ex-mulher, xingou sua funcionária e queixou-se com os pais, como se eles fossem os verdadeiros e únicos culpados por suas desgraças. O inferno astral havia se instalado.
No decorrer de sua história, Joselito ainda foi preso, sofreu injúrias, apanhou de bandidos, passou por fome e miséria, e as portas pareciam se fechar cada vez mais para ele. De queixo sempre erguido, sem entender porquê aquelas coisas aconteceram com ele, optou por negar as derrotas e, ao menor sinal de ter um simples prato de comida à mesa, agia novamente com a mesma aspereza e arrogância de quem acredita ter “o rei na barriga”. Ele nunca parou realmente pra pensar nos detalhes sutis de sua personalidade, que contribuíram de forma significativa para toda a desgraça em sua vida, blasfemava contra Deus, revoltava-se, envolvia-se com drogas e permanecia na ignorância de quem não quer melhorar. Existem pessoas que simplesmente não mudam.

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