Estranhos ímpares

Os cigarros acesos na mesa de um bar qualquer por onde passo casualmente na calçada, a fila na porta, os copos de cerveja no balcão, os jeans apertados das meninas maquiadas. Maquiagens exuberantes e a solidão entre os dedos. O medo toma conta novamente me fazendo pensar nessa esperança impiedosa de que tudo deixe de ter um fim, de que o tempo não passe mais, de que a vida não se perca pelo caminho. Essa necessidade inútil e aflita de que metade de nós nos encontre e nos complete. Uma ilusão que alimenta a alma de todo mundo desde o início da humanidade (acho), quase como o doce na boca de uma criança, pronto para ser roubado. Esse desejo que nos invade e nos queima por dentro quando vai embora deixando um vazio absurdo, a saudade mesmo sem ser saudade. Uma busca incansável pelo amor perfeito, descrito nos filmes, livros e músicas do mundo inteiro, como se não soubéssemos que nada neste mundo é perfeito, como se precisássemos acreditar para poder seguir em frente. Ou como se o amor fosse algo com que pudéssemos nos deparar na esquina, esbarrar e pedir desculpas, deixando-o passar tranquilamente. Como se pudéssemos tocá-lo ao estender nossos braços ou identificá-lo logo de imediato, ah se fosse assim tão fácil, e os problemas e soluções pudessem surgir de fora de nós. Dependência patética atuando como heroína para um viciado.
Os teus olhos, teu sorriso e tudo mais em você que não me deixam em paz, trazendo a trágica lembrança de que tudo isso não me pertence, de que “o pra sempre sempre acaba”. A perfeição com que aparecem na minha frente os teus traços fortes, largos e definidamente másculos, a forma finita com que se mostram e a solidão com que me deixam...
Uma máscara cai de repente e a névoa dissipa-se no ar, mostrando a realidade única e impecável: todas as soluções, facilidades e alegrias que precisamos estavam o tempo todo dentro de nós [independentes] estranhos ímpares, desde o começo. E aquela velha sensação de incompleto também. 

"Eu queria que fosse um viciado pra ser sua heroína

E poder dizer 'eu te amo' sem nenhuma ironia" (Leela)

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