O mês em que o Templo Zulai foi o meu lar



“Cada um de nós é um copo” foi a primeira lição que eu aprendi com o budismo chinês. Não devemos esquecer que é importante manter o copo limpo, inteiro e sempre vazio. Porque um copo sujo estará sempre contaminando todo conteúdo novo que é oferecido, um copo rachado não conseguirá conter absolutamente nada que vier de bom e um copo sempre cheio nunca acomodará nada novo, pelo menos não sem transbordar.
Minha temporada de trinta dias no templo da ordem Fo Guang Shan (Montanha Luz de Buda), começou dia 18 de novembro de 2017 e marcou a minha vida. O retiro denominado “Estudo e Vivência Intensiva de Budismo”, ou simplesmente turma “IBZL 9”, como éramos chamados de vez em quando, oferecido no Templo Zulai, localizado em Cotia- SP, é destinado a qualquer pessoa que deseje aprender por meio da prática diária de um monastério budista. Não é permitido para menores de 18 anos e maiores informações sobre essa incrível oportunidade podem ser obtidas por meio do site oficial do templo www.templozulai.org.br.
Eu já tinha visitado este lindo lugar duas vezes, mas sempre com o copo cheio demais para enxergar sua profunda beleza e cultura. Desta vez foi completamente diferente, afinal, em um mês eu conheci um novo lar, um verdadeiro refúgio. O alojamento onde ficamos instalados é localizado depois do Lago Zu Lai, e logo na entrada deixei, junto de meus “valiosos” pertences, o meu marido e tudo o que eu achava que possuía no “mundo lá fora”. Sim, foi como sair da Matrix.
Recebi uma bacia plástica grande contendo dois conjuntos de uniformes acinzentados, um avental azul, uma veste preta cerimonial chamada de hai qin, seis cabides, um crachá com meu nome impresso, prendedores de roupas e etiquetas de tecido para costurar meu nome nas roupas. O dormitório era no primeiro andar, sabiamente intitulado “Compaixão”, acima dele era o “Sabedoria” e na cobertura ficava a lavanderia. Neste quarto conheci sete outras mulheres que, assim como eu, estavam ali buscando algo que provavelmente não conseguiram encontrar “do lado de fora”. Havia seis beliches e eu dormi o mês inteiro no “C05-04”, o que significa cama nº 04 do quinto quarto do andar Compaixão. Nesta cama encontrei um travesseiro, fronha, edredom, um lençol sem elástico e muito aconchego. As janelas permaneciam sempre com a tela fechada para evitar insetos indesejáveis, já que não teríamos autorização para mata-los.
Logo no primeiro dia me surpreendi com a alimentação, pois não havia talheres disponíveis e eu fiquei feliz por ter me esforçado tanto em aprender a comer com hachi. O sistema era self-service (pelo menos nos primeiros dias), ovo-lacto vegetariano e ali não era permitido desperdícios, como não deveria ser em nenhum lugar do mundo. Neste primeiro dia lavamos a nossa própria louça... como todo mundo deveria fazer sempre em casa, na minha humilde opinião.
Toda e qualquer movimentação era feita em equipe, uma fila masculina e uma feminina, lado a lado. Reaprendemos quase tudo nesse retiro e andar foi a primeira delas. Caminhávamos no mínimo seis quilômetros para fazer as três refeições diárias, pois um quilômetro era a distância do Samadi (prédio onde ficamos alojados) até o refeitório. Essas caminhadas diárias eram sempre em filas, lado a lado, o mais ordenadas e alinhadas possível e em extremo silêncio. As curvas eram feitas a noventa graus e nunca era permitido andarmos sozinhos, sempre em grupo ou, no mínimo, a dois. A rotina no templo era muito mais corrida do que imaginei, o tempo entre cada atividade era curto, geralmente de dez a quinze minutos no máximo, mas havia tempo reservado para tudo. O momento que eu mais gostava era na hora de dormir, principalmente quando chovia... aquele cheiro de terra molhada, o ruído da chuva nas árvores e a paz que eu respirava era algo que eu tinha desacostumado de sentir.
A minha conclusão dos primeiros dias foi: o ser humano é adaptável, muito mais do que imaginamos. É muito difícil mudar hábitos, aceitar regras novas, acostumar-se com um novo estilo de vida, mas com a prática diária, lentamente vamos nos familiarizando e as coisas ficam mais fáceis e simples. O que era tão difícil no primeiro dia, logo passa a ser parte da rotina e naturalmente começamos a entender que andar em filas, manter a roupa em ordem, gratidão e gentileza são hábitos fáceis de mudar e que podem realmente fazer toda a diferença em nossa vida. Aprendi muito sobre disciplina, trabalho em equipe e sobre como é possível otimizar o tempo e ter a mente tranquila quando falamos menos. Neste lugar eu aprendi a ser muito mais feliz. <3


Chegando ao templo em 18.11.2017
Último dia - formatura IBZL 9 17.12.2017

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