O Guo Tang nosso de cada dia
Vai um mingau de arroz aí? :-) |
Depois de um tempo a gente entende que alimentar-se mal é uma violência contra nosso próprio corpo, que o momento da refeição deveria ser mais respeitado e sagrado, que uma postura ruim é uma irresponsabilidade não apenas conosco mas com as pessoas ao nosso redor, que terão que cuidar de nós quando nossa coluna falhar de vez e também que a prática leva à perfeição. No terceiro dia de retiro budista aprendemos o famoso Guo Tang, que é uma prática que consiste em alguns princípios básicos: servir e alimentar-se em ordem e em completo silêncio. O ritual era o seguinte: duas mesas compridas posicionadas uma de frente para a outra, onde sentávamos para as refeições. Dos dezesseis colegas que estavam ali, dois deveriam dedicar-se em servir as mesas e o restante deveria comer seguindo as regras de etiqueta ensinadas. Eu acho que essa foi uma das coisas mais difíceis para mim no começo porque era uma quantidade tão grande de regras para lembrar que eu acabava por nem sentir vontade de comer mais. Permitam-me tentar explicar melhor...ao chegarmos no refeitório, enfileirados em frente às mesas onde deveríamos sentar para fazer as nossas refeições, era preciso, antes de tudo, fazer uma reverência à imagem do Buda Maytreia, localizado próximo à lateral e centralizado entre as duas mesas. Essa reverência era feita em todas as refeições, tanto ao chegar, quando antes de sair do local. Quando chegávamos famintos, a alimentação já estava servida, mas logo após sentarmos, antes de comer, fazíamos a “Dedicação de Méritos”, com exceção do horário do almoço, em que os alimentos eram servidos enquanto recitávamos a dharani das oferendas e, posteriormente, de término da refeição.
As regras de conduta eram muitas nesses momentos, como sentar com a coluna ereta e usando, no máximo, metade do assento da cadeira; mover, primeiramente, o hachi e depois trazer o prato e as tigelas para a beirada da mesa mais perto de você, entre outras coisas. O prato era do tamanho de um prato de sobremesa e as tigelas eram daquelas simples que se usa para tomar missoshiro. A questão das regras com os utensílios é que havia formas predeterminadas para movimentá-los e para fazer-se compreender quando queríamos repetir algum alimento ou quando não queríamos uma porção tão grande. Toda a comunicação entre quem estava servindo e quem estava sentado era por meio dessas regras porque não era permitido falar. Logo, as refeições tornaram-se muito difíceis para mim e, acredito que para a maioria de meus colegas. Mas de novo, “o tempo é remédio soberano”, e depois de trinta dias já não era tão difícil assim, além de fazer bastante sentido. No final mesmo, eu compreendi o quanto as refeições são momentos sublimes e especiais, em que precisamos lembrar sempre de agradecer pelo alimento que está ali na nossa frente e que faz uma grande falta para tantas pessoas. Comer é um conceito completamente diferente para essa filosofia, é uma verdadeira arte, é um espetacular momento de contemplação, reflexão e plena atenção. Neste retiro a gente respirava aprendizado, dia após dia.
Posicionamento das mesas e fluxo do serviço de mesa:
Posicionamento das tigelas e regras sobre o uso dos
utensílios para comunicação durante as refeições no estilo Guo Tang
Esquema da mesa antes da refeição |
Movimentação necessária para "aceitar" a comida |
Passo-a-passo:
1º- Pegue os
hachis e posicione o guardanapo à sua esquerda, girando-o a noventa graus;
2º- Puxe o
prato para a sua beirada da mesa;
3º- Puxe as
tigelas de forma cruzada para perto de você;
4º- Traga a
sobremesa para a sua beirada da mesa.
A mesa vai ficar assim:
Esquema de organização dos utensílios após "aceite" |
Algumas regras durante as refeições:
1- Ao iniciar a refeição, é necessário fazer três votos: na primeira porção de comida que for à boca deve-se desejar “erradicar todo o mal”, na segunda “fazer sempre o bem” e por fim, “salvar todos os seres sencientes”;
2- Nada pode ser recusado, exceto: café, feijão, suco, fruta ou qualquer alimento que lhe cause desconforto (dor de estômago, diarreia, alergia, cefaleia, etc.);
3- Dos alimentos não recusáveis, caso deseje uma quantidade menor, deve-se deixar o prato ou tigela no local original e apontar com o hachi qual o alimento que deve ser fracionado, para que o serviço de mesa retire uma porção;
4- Tudo o que for “aceito” não pode ser devolvido e deve ser completamente consumido;
5- A tigela principal sempre irá conter: no caso do café da manhã, pão ou mingau de arroz; no almoço arroz ou arroz + feijão ou alguma massa; no jantar arroz ou macarrão ou alguma outra massa. A tigela de líquidos sempre irá conter café no horário da manhã, suco no almoço ou sopa no jantar. O prato sempre irá conter toda e qualquer guarnição como legumes, verduras, carne de soja, bolinhos, salsichas, etc. A sobremesa geralmente é uma fruta e só será servida no almoço.
6- Absolutamente tudo o que for sólido deve ser transferido para a tigela principal antes de ser levado à boca;
7- Pode-se solicitar água morna posicionando a tigela de líquidos em um "ângulo igual ao de dez horas do relógio" (aproximadamente 45° em relação à tigela principal);
8- Para solicitar mais comida é necessário retornar as tigelas ou prato aos locais originais e recolhê-las após ser servido;
9- Os utensílios devem ser completamente limpos após o término da refeição, limpos mesmo, preferencialmente com a aparência de que nem foram usados. Para isto devem ser utilizados pedaços de legume ou água morna;
10- A refeição deve ser feita em completo silêncio, sem conversas entre os que estão sendo servidos ou entre o pessoal do serviço de mesa. Inclusive, não se deve fazer ruído algum ao usar os hachis.
2- Nada pode ser recusado, exceto: café, feijão, suco, fruta ou qualquer alimento que lhe cause desconforto (dor de estômago, diarreia, alergia, cefaleia, etc.);
3- Dos alimentos não recusáveis, caso deseje uma quantidade menor, deve-se deixar o prato ou tigela no local original e apontar com o hachi qual o alimento que deve ser fracionado, para que o serviço de mesa retire uma porção;
4- Tudo o que for “aceito” não pode ser devolvido e deve ser completamente consumido;
5- A tigela principal sempre irá conter: no caso do café da manhã, pão ou mingau de arroz; no almoço arroz ou arroz + feijão ou alguma massa; no jantar arroz ou macarrão ou alguma outra massa. A tigela de líquidos sempre irá conter café no horário da manhã, suco no almoço ou sopa no jantar. O prato sempre irá conter toda e qualquer guarnição como legumes, verduras, carne de soja, bolinhos, salsichas, etc. A sobremesa geralmente é uma fruta e só será servida no almoço.
6- Absolutamente tudo o que for sólido deve ser transferido para a tigela principal antes de ser levado à boca;
7- Pode-se solicitar água morna posicionando a tigela de líquidos em um "ângulo igual ao de dez horas do relógio" (aproximadamente 45° em relação à tigela principal);
8- Para solicitar mais comida é necessário retornar as tigelas ou prato aos locais originais e recolhê-las após ser servido;
9- Os utensílios devem ser completamente limpos após o término da refeição, limpos mesmo, preferencialmente com a aparência de que nem foram usados. Para isto devem ser utilizados pedaços de legume ou água morna;
10- A refeição deve ser feita em completo silêncio, sem conversas entre os que estão sendo servidos ou entre o pessoal do serviço de mesa. Inclusive, não se deve fazer ruído algum ao usar os hachis.
Pode até parecer um absurdo essa sistemática toda para pessoas comuns como nós, e a primeira vez que participei de uma refeição assim foi realmente meio assustador, confesso... entretanto, depois que nos habituarmos, esse momento da alimentação torna-se um momento mágico e muito mais prazeroso porque transcende o sabor dos alimentos. Este ritual torna a refeição muito mais consciente e traz uma grande paz por ser feita em silêncio total. É muito satisfatório e emocionante cantar antes de ingerir os alimentos, dedicando os méritos, e mais ainda durante a gatha de término da refeição, quando eu, particularmente, chego a ficar com lágrimas nos olhos de tanta emoção e gratidão por ter alimentos quando tanta gente por aí não tem.
Momento especial de recitação do dharani das oferendas, antes do início da refeição no Templo Zulai, durante o retiro de "Estudo e Vivência Intensivos de Budismo" |
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