Ligando os pontos
Inventaram, ela e seu “não sei o
que”, um conceito novo de relacionamento e das coisas que com ele vêm, inevitavelmente.
Sentia uma dúvida por dentro, como quem não soubesse ainda se estaria a realizar um
grande feito na vida ou uma grande desventura. Uma das criações foi a sigla que
chamavam de RR, em vez de DR, que seria “refletir sobre a relação” em vez de
“discutir a relação”, e que na prática, pareciam funcionar mesmo. Num belo dia
de novembro, aos aproximados sete meses de envolvimento, celebraram mesmo sem
querer e sem perceber, aquele momento, com uma marcante reflexão sobre a
relação. Dessas reflexões que pareciam sempre muito ricas para os dois.
Evangeline mergulhou em si mesma
mais do que naquele homem que ela admirava ou em qualquer outra pessoa com quem
já tivesse vivido até aquele ponto de sua vida e, outra vez, como uma torneira
pingando na pia, de gota em gota enchendo a pia, reconheceu e recolheu uma
parte de si que se perdia pelo chão, no meio do mundo, no meio da multidão, na vida dele e
na dela, entrelaçadas e dispersas ao mesmo tempo. “Viver um dia de cada vez”,
controlar a ansiedade que a devorava por dentro e tentar chegar ao equilíbrio
emocional ideal, foram apenas algumas das conclusões a que chegaram naquele instante...
e que as coisas são sempre, sempre muito mais difíceis do que parecem.
Conseguindo expressar a maior
parte das coisas que ela queria, sentiu-se aliviada com relação às paranoias,
ciúmes e maluquices que passavam pela cabeça diariamente. O mais difícil mesmo
era conhecê-lo, mesmo que estivesse ali tão perto, como entender essa pessoa tão complexa com quem tinha
compartilhado sua vida nos últimos meses... mas a maior parte das respostas que esperava,
indiretamente, ela conseguia. Sabia que era esperta o suficiente para deixar
que as coisas fluíssem naturalmente. Enfim, tinha aprendido, com este
relacionamento, a se conhecer muito mais e a controlar o máximo possível aquele
lado emocional, que odiava e que muitas vezes a levou a tomar decisões erradas
e sofrer consequências terríveis.
A verdade é que ela desejava das
pessoas com quem se relacionava, seja qual fosse o tipo de relação, muito mais
do que apenas companhia, muito além de conversas fiadas ou calor humano. Via-se
sempre querendo devorar a pessoa inteira. Enrolar, envolver, entender, ouvir,
saber o que se esconde por baixo da carcaça mortal. Junto ao envolvimento
“romântico”, obviamente, tornava-se muito mais complicada essa missão,
principalmente o outro lado sendo introvertido a ponto de nunca expressar
sentimento algum, mesmo ela sabendo com certeza que eles estavam ali,
escondidos, embutidos, esperando para serem descobertos e libertos. Além da
atração física, era importante para ela que houvesse algo mais, algo que a arrebatasse
e que movesse aquela vida morna para um nível absolutamente diferente de tudo,
como a dele também, num conto de fadas ao contrário. "No nosso livro a nossa história é faz de conta ou é faz acontecer?". Em sua cabeça, nada valia
na vida se não fosse assim. “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”, pensava
todo dia. “Se eu não tentar, então não terei vivido”...
Decifrá-lo era uma tarefa árdua demais
e às vezes cansava, admitia. Por vezes, intitulava-o de “meu desafio”, pois era
a palavra que melhor definia aquela situação, mas sabia que aquilo era tudo que
desejava para sua vida, tudo que precisava aprender para crescer e ser alguém
melhor, sabia mais ou menos o que a esperava, só não conseguia prever o final
da história [ainda bem, por que não faria sentido algum saber o final]. Treinar
os ouvidos para ouvir além das palavras e os olhos para enxergarem além das
ações são tarefas que exigem, no mínimo, paciência e persistência É preciso
deixar grande parte da emoção, intrínseca da mulher, de lado, para poder
colocar os fatos na mesa e analisá-los com racionalidade o suficiente para
conseguir converter tudo isso em pedaços de emoção e sentimento que estão
guardados em algum lugar muito fechado. É preciso perder-se para se encontrar,
no escuro. Sentia-se olhando a luz no fim do túnel, encarando-a e deixando que a
guiasse para dentro de si mesma.
Na cabeça, criavam-se monstros de
ideias absurdas, reduzindo a sanidade, fazendo-a acreditar em ilusões, em
realidades alternativas que não existiam de verdade. Ou que iludiam? Muitas
vezes não sabia reconhecer qual era a “realidade verdadeira”, se a que estava no
seu universo interior ou a do lado de fora, porque nenhuma delas parecia
independente do seu próprio julgamento, turvo e falho. Julgava quase sempre tudo
errado, em 90% das vezes, e já sabia identificar este fato, o que parecia um grande
avanço, pois assim, permitia-se viver experiências novas e gratificantes,
conhecer-se e conhecer aos outros, aprender cada vez mais [aprender era sempre sua prioridade].
Tinha medo de acabar ficando
louca, mas entendia, muito mais claramente, que às vezes criamos coisas na
nossa mente, que não correspondem ao que acontece no mundo real, porque
deixamos que as nossas emoções camuflem fatos que, se analisados racionalmente,
acabam mostrando resultados muito mais próximos da realidade. Isto está longe
de ser fácil. Em muitos momentos é difícil até mesmo identificar se esta seria
uma característica trabalhável dentro dela ou se, forçando este
desenvolvimento, estaria forçando demais a barra, a ponto de se prejudicar ou
chegar ao cúmulo de enlouquecer. Desbravar estes novos horizontes e quebrar os
paradigmas que ela queria quebrar eram, no mínimo, sofridos, mas nunca havia pensado
que seria fácil e resolveu tentar uma saída de emergência, uma alternativa
última. Aquele relacionamento era mais do que parecia.
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