Flores de plástico não morrem
Estava sempre buscando formas de
exacerbar os sentimentos mais profundos, aqueles que vez ou outra, sufocavam-na
a ponto de nem conseguir ter uma relação social normal, era o tipo de pessoa
tão transparente emocionalmente que deixava, sem querer, nítido a todos ao seu
redor o seu estado de espírito atual. As mudanças eram frequentes e
aparentemente sem motivo, sabia que eram pequenas coisas que acabavam
desencadeando aquelas avalanches de emoções que costumavam dominar sua mente e
coração, seja qual fosse o dia da semana. Naquele momento sabia o que lhe
afligia a alma, embora não conseguisse, como sempre, as melhores palavras para
expressar tanta coisa bonita e ao mesmo tempo fúnebre, contidas dentro de si.
Imaginava se um dia seria capaz de dominar seus sentimentos em vez de deixar-se
dominar assim de um jeito tão passivo e covarde. Buscava suprimir aquela angustia
e saudade inexplicáveis mas nem mesmo sabia exatamente em relação ao que se sentia
dessa forma. Seria a canção, o romance ou a ausência? A moral ferida, a
injustiça? Havia tantas possibilidades que concentrava- se em tentar
descobrir... Com a firmeza de quem gostaria de estar certa de que aquilo
realmente traria algum tipo de alivio, passou na floricultura e comprou aquelas
flores que há muito tempo desejava, mas que certamente causariam uma confusão
por não aparentar, ao menos superficialmente, motivo para seu destinatário. A
verdade é que entregaria aquelas flores como quem entrega o próprio coração,
como quem diria que aquela era uma forma de sentir-se em casa, sentir-se menos
só, menos errada, mais amada, quem sabe até mais parte de uma família que não
lhe pertencia de verdade, pelo menos não naquele momento, não que tivesse
conhecimento disso. Correu com as flores em seus braços como se não tivesse
tempo a perder, com a urgência de quem soubesse do fim iminente, como se o
mundo fosse acabar de repente, como se este fosse seu último contato, a última
oportunidade de expressar seus sentimentos por alguém que realmente mereceria e
por quem tinha adquirido um afeto verdadeiro em tão pouco tempo. Correu com as
flores nas mãos e as poesias no ouvido, soando em volume excessivo, volume que
a separava do resto do mundo, das pessoas, dos sons urbanos, da realidade em
sua volta, até que um brilho de farol ofuscou sua visão, fazendo com que tudo
passasse de claro para escuro, de confortável para dolorido, de conhecido ao
desconhecido. De súbito sentiu seu corpo
esfolar violentamente no asfalto e o calor que invadiu seus sentidos já não era
de emoção. O coração acelerado, parecia difícil de bater, e a respiração ficava
cada vez mais ofegante. Viu um tumulto absurdo, aquelas vozes, que tanto
evitava com os fones de ouvido, ecoando e a iluminação de um poste dificultava
a visão. Procurou seu mp3 player, que adorava e tinha acabado de ganhar de
presente em seu 23º aniversário, mas não conseguiu enxergar mais nada além das
flores espalhadas e esmagadas na sarjeta, as flores que aprendera a amar em um
período de menos de meia hora. Antes de fechar os olhos, sentindo que seria
este provavelmente o único para sempre que conheceria, mesmo sendo no limite da
sua existência, entendeu que seu tempo havia acabado e que aquelas flores,
junto com os sentimentos embutidos nelas e toda a intenção por trás do ato de
comprá-las no mercado e correr com elas pela rua com uma urgência inexplicável,
morreriam ali com ela naquele instante, em questão de segundos, sem deixar
absolutamente nenhuma certeza do destino que a esperava. Fim.
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