Excelente profissional, péssima pessoa?




O ambiente organizacional é, sem sombra de dúvida, o local perfeito para o aprendizado específico, é onde aprendemos como fazer um determinado cálculo, como escrever um procedimento, como elaborar um planejamento. Aperfeiçoamos nossa capacidade de comunicação e expressão, desenvolvemos diversas habilidades técnicas e gerenciais relevantes, e tudo isso é muito enriquecedor para somar valor ao nosso currículo profissional. Todas essas experiências juntas nos transformam em experts de nosso ramo, muito mais qualificados e especialistas nas tarefas pelas quais somos responsáveis e, por consequência disso, ganhamos competência o suficiente para contribuir cada dia mais com as instituições que pagam os nossos salários ou com nossos clientes diretos.

Contudo, existem detalhes impossíveis de se expressar em um curriculum vitae, e se pararmos para pensar intensamente sobre o assunto, concluiremos que é neste mesmo ambiente empresarial que crescermos também como pessoas (diria principalmente). A empresa é o lugar onde iniciamos amizades, trocamos ideias e experiências; é onde passamos a maior parte do nosso tempo, onde aprendemos a aceitar as diferenças e a discordar cordialmente; é onde aumentamos o chamado networking e onde nos tornamos pessoas não apenas mais habilitadas ou despertas, mas sobretudo pessoas melhores. 
Neste contexto, eu acredito realmente que não existe uma linha que delimite claramente onde termina o profissional e onde começa o pessoal, porque no dia-a-dia da organização, somos o que somos de verdade, mesmo que seja uma versão mais contida (talvez) ou moldada do que somos na nossa casa. A verdade é que nossas ações e reações, independentemente do espaço em que estamos inseridos, serão sempre um reflexo do nosso caráter, e é aí que entram as confusões e ilusões que as pessoas criam acerca do crescimento pessoal e o profissional, separando-os mentalmente em duas vertentes distintas, como se fossem independentes, na tentativa caótica e quase pueril de mostrar que sabem “separar o pessoal do profissional”, mas esquecem que não necessariamente perdemos essa linha de vista quando entendemos que, no contexto do progresso genuíno, é quase impossível para uma pessoa de mente limitada ou ignorante [na vida] tornar-se um excelente profissional.

Observem que, por mais capacitado que um sujeito seja, seu destino, não apenas naquela empresa ou ramo específico, mas em qualquer outro lugar, será fortemente influenciado pelo desenvolvimento da sua inteligência emocional, pela sua maturidade e pelo nível de sabedoria com que essa pessoa encara os desafios diários. Isso mesmo, eu disse sabedoria, não inteligência, nem conhecimento. 
Sabedoria é uma qualidade muito difícil de se encontrar mas que, quando alcançada, liberta. Um atributo que não se ensina na escola, no mestrado e nem em cursos de especialização. Não existe palestra, workshop ou treinamento que nos ensine a ser mais sábios; e ouso dizer que, dependendo do grau de ignorância de uma pessoa, não se consegue adquirir nem mesmo em um intercâmbio estudantil ou profissional, que geralmente são as ocasiões que mais agregam à nossa vida como um todo. Infelizmente a ignorância cega mais do que muita doença rara, e seu antídoto (a sabedoria) só se pode desenvolver por meio do autoconhecimento. Esse dom de “conhecer-se a si mesmo” pode ser alcançado com a prática da reflexão diária, sim, desde aquele singelo momento entre o estacionamento e a entrada do prédio ou quando destravamos a porta pela manhã, quando estamos sozinhos com nós mesmos; até cada pequeno período de dificuldade que só nós reconhecemos, cada situação de apuros que nos alarma, cada frustração que nos desafia, na escassez dos recursos, nos ínfimos instantes em que temos a oportunidade de direcionar o olhar para dentro e questionar a nós mesmos, na tentativa de enxergar tanto os nossos erros quanto os problemas em geral, sob outras perspectivas diferentes das que estamos acostumados; saindo da visão limitada proposta por nosso ego. Vejo frequentemente no mundo corporativo, situações em que existem ilimitadas aptidões envolvidas de diversos níveis hierárquicos e nacionalidades, mas pouquíssima sabedoria implícita nas tomadas de decisões impulsivas, na avaliação incompleta e superficial de uma atividade, no julgamento precoce e precipitado de um acontecimento, no descontrole emocional mediante a menor pressão psicológica, na arrogância oculta em uma ilógica crença de que estamos sempre certos, impassíveis, de que somos magnânimos e que estamos acima de qualquer regra que pareça inconveniente para nosso pequeno castelo de areia. Essas características podem transformar o ambiente de trabalho em um local verdadeiramente inóspito, porque a partir daí temos um clima propício a depreciação mútua, mesmo que inconsciente, já que cada um só consegue enxergar seu próprio umbigo, suas próprias necessidades, seu próprio eu. Voltamos a viver na época da pré-escola.

Reparem agora que esses problemas não são exclusividade do mundo organizacional, mas sim do mundo real. São questões relativas ao ser humano, que são transportadas ao trabalho, mas facilmente identificadas nas cotoveladas das filas do metrô, na direção não defensiva do tráfego carregado, no atendimento descortês dos bares e restaurantes, na apreensão das relações familiares, nas desarmonias do casamento, na instabilidade da criação dos filhos, enfim, em qualquer lugar que seja habitado por pessoas e em todas as relações humanas. Mas essas mesmas pessoas não conseguem compreender, o quanto tais aspectos pessoais influenciam em seu trabalho, mesmo que indireta ou involuntariamente; ou em contrapartida, o quanto os vícios desenvolvidos no ambiente corporativo também moldam sua vida pessoal. Esses indivíduos não conseguem ter uma visão real de si mesmos e, consequentemente, nem do mundo ao seu redor; a ponto de não entenderem porque não conquistam os objetivos tão desejados, porque perderam um ótimo funcionário, porque foram excluídos de um treinamento importante, porque não são respeitados pelos colegas, porque perderam o emprego ou porque os resultados não ocorreram conforme o esperado; enfim, porque as coisas deram tão errado ou porque elas acontecem de um jeito tão diferente do que havíamos imaginado... por que será?

Há uns quatro anos, tive a oportunidade de participar de um estudo e vivência intensivos de budismo, isolada por 30 dias em um templo que me trouxe muitas respostas e simplesmente mudou a minha vida, abrindo a minha mente para as formas de lidarmos com as adversidades, de modo a obter a melhor experiência pessoal possível, não permitindo que as provações da vida cotidiana tirassem a minha paz. Essa experiência acabou ampliando a minha capacidade de enxergar a mim mesma e a realidade a minha volta, gerando uma maior atenção aos meus próprios erros e as ações das outras pessoas, me fazendo tratar os obstáculos com mais tranquilidade e, principalmente, com mais inteligência para refletir e saber usar esse conhecimento a favor do meu crescimento particular. Esse retiro me ensinou três coisas primordiais e que eu acredito que podem facilitar muito nossa vida e nossas relações interpessoais, se praticadas diariamente, não apenas dentro de uma organização, mas em qualquer lugar ou situação social:

Primeiro, que devemos exercitar a sabedoria nas nossas tomadas de decisões, refletindo mais e agindo de forma menos impulsiva, tentando sempre analisar profundamente as questões de um jeito o mais imparcial e racional possível, sem deixar que nossos sentimentos tomem a decisão por nós. Isto pode ser alcançado quando nos perguntamos se essa decisão não pode esperar um pouco mais de tempo para ser tomada, com cautela; se a mesma situação não poderia resultar em um caminho diferente, dependendo de como olhamos para os envolvidos; se não haveria menos contratempos caso estivéssemos em um outro momento de vida mais leve, em que pudéssemos encarar as coisas com mais prudência; se a reação exagerada a um determinado estímulo externo é realmente necessária ou se o nosso ego não está atrapalhando; se estamos nos esforçando o suficiente para entender aquele cenário como ele é ou se nossa interpretação dos fatos está sendo ofuscada pelas nossas emoções e suposições... Somente fazendo muitas reflexões desta natureza é que tomaremos decisões mais assertivas, conscientes e verdadeiramente inteligentes; caso contrário só estaremos gerando carma negativo por onde passamos. Com a pratica constante, esses pensamentos passam a acontecer cada vez mais automática e rapidamente.

O segundo aprendizado foi relacionado a ignorância inerente do ser humano, no sentido mais amplo desta palavra, que pode praticamente anular qualquer qualidade ou competência, pois o nosso comportamento pode ser muito influenciado por este traço de personalidade, que possui o poder de converter a nossa visão de mundo em uma ilusão que só existe mesmo na nossa cabeça. Conheço pessoas com grau de instrução de mestrado ou doutorado, assim como em níveis hierárquicos elevados, mas totalmente tapadas. Assim como também conheço pessoas sem nenhuma formação acadêmica, mas absurdamente sábias. Conhecimento é muito importante, um diploma é essencial, um título gratificante, indiscutivelmente; mas como você reage a um momento de crise, levando em consideração todos os aspectos de um caso, sabendo equilibrar as emoções e as atitudes, observando as circunstâncias, respeitando as diferenças e atuando no tempo certo, são um grande diferencial, que impacta positivamente em toda e qualquer relação social da qual você faça parte. Consequentemente você cresce, e estimula todos ao seu redor a crescer também.

E por fim, aprendi que o ego é invariavelmente nosso grande e maior inimigo, e que ele é único responsável pela morte de todo o talento de uma pessoa, mesmo que simbólica. Desculpem a franqueza, mas você pode ter se formado em Harvard, pode ter sido estagiário da NASA ou ter concluído pós doutorado no MIT. Pode ter participado de um intercâmbio nos cinco continentes, saber falar vinte idiomas ou dominar todos os sistemas informatizados do mundo; lamento informar que se o seu ego não puder ser trabalhado e reduzido, você provavelmente nunca será um ótimo profissional e nem saberá o que é chegar ao topo da pirâmide de Maslow (mesmo que não tenha consciência disso). Reparem que trata-se de um círculo vicioso difícil de quebrar: sem praticar a sabedoria, a ignorância cresce; quando ela cresce, dá espaço para elevação do ego; o ego inflado não permite a visualização do problema e a sabedoria permanece imobilizada. Neste ciclo sem fim, muitos vivem uma vida de ilusão, acreditando serem excelentes profissionais, gabam-se de seus dignos diplomas e conquistas, acreditam que são extraordinários porque participaram de treinamentos caros, chegaram a um cargo de liderança ou porque trabalham em multinacionais bilionárias. Sentem-se imponentes, intocáveis, donos da verdade absoluta, dignos de obediência, não suportam ser contrariados nunca, “desculpe, sou um reles ser comparado a vossa magnitude”. Mas fecham os olhos para uma realidade básica e difícil de encarar: o fato de que não importa quanto conhecimento temos, quantos títulos carregamos, quantos troféus recebemos, quantos méritos ou conquistas acumulamos; todos nós erramos, todos somos falhos e imperfeitos, todos estamos em um contínuo e eterno processo de aprendizado, até o dia de nossa morte. A diferença é que sem a consciência desses fatos, sem sabedoria e humildade nas relações pessoais, inclusive no ambiente de trabalho, somos resumidos àquele que mesmo sem ninguém mencionar, no fundo no fundo, ninguém respeita, ninguém admira, em quem ninguém se espelha, aquele em quem ninguém confia e de quem ninguém sentirá falta. Somos aquele que deixa alívio em vez de saudade. Este é o oposto do legado que eu quero deixar por onde eu passar.

Comentários

  1. Primeiramente gostaria de agradecer, e em seguida parabenizar pela excelente lição em poucas palavras! Ser humilde sempre estará elevando quem se permitir. Quem senta para aprender se levanta para ensinar. Muito obrigado por cada lição que já me ensinou!

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    1. Eu que agradeço FB pelos elogios, pelos anos de parceria no trabalho, por ser uma luz para todo mundo quando todas as outras luzes se apagam.

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