Seja estranho, bizarro, mas seja você


“Você usa tanto uma máscara que acaba se esquecendo de quem você é”...
De repente, não mais que de repente, os olhos dele cruzaram a sala penetrando os dela e uma certeza infinita de já ter visto aqueles olhos antes veio como um frio em sua espinha. Seria a cor, a forma ou a vida impressa naquele olhar? “Os olhos são a janela da alma” não conseguiu parar de pensar durante muitos segundos durante aquele dia.
Ele era um rapaz estranho, um cara que mal falava com as pessoas se não houvesse uma necessidade indiscutível, aparentava sempre um tédio absurdo ao ter que parar o que estava fazendo para ouvir alguém que lhe dirigisse a palavra, mesmo se fosse alguém de quem gostasse muito. Via-se sempre alheio a todas as coisas ao seu redor, mas não sabia explicar ao certo porque tornara-se uma pessoa assim, na verdade nem sequer lembrava de ter sido diferente disso algum dia, como se não percebesse a linha invisível de separação entre a infância e vida adulta, utilizando como principais formas de distração ou rotas de fuga, o videogame ou seu computador, companheiro de muitas jornadas. Introvertido demais, não tinha muita afinidade com as garotas, mas também não parecia se importar muito com isso. Com os cabelos quase sempre desgrenhados e encobrindo grande parte do rosto, havia um ar meio melancólico escondido em seu jeito de ser, de se comportar, de se vestir, de se virar e gesticular. As coisas pareciam se encaixar de uma maneira muito interessante em sua aparência, uma figura magrela, de pele morena, mãos grandes e sorriso amarelo. Longe de ser um modelo de beleza ideal, muito perto de um modelo de beleza surreal. Todo mundo sabe a dor e a alegria de ser o que é.
Aquela introspecção havia nascido com ele e certamente o acompanharia até a morte, existem coisas que simplesmente não mudam e a essência de uma pessoa é uma delas. Tentava se encaixar em grupos sociais onde acreditava ser importante e necessário, mas não sabia muito bem porquê deveria se encaixar. Compreendia que era preciso, e por isso fazia, em grande parte também para ocupar os seus dias com alguma coisa que o fizesse se sentir útil, para passar o tempo. Gostava mesmo era de estar entre os amigos, talvez os únicos momentos em que poderia deixar sua máscara de bom menino de lado e ser ele mesmo. Sabia que aqueles eram os únicos momentos em que poderia chegar perto de ser ele mesmo, sem atuação, falando o que pensava e resgatando uma liberdade que só tinha saboreado pouquíssimas vezes em sua infância, ocasiões que acabava nem levando muito em consideração, já que a consciência de quem ele era só havia surgido há muito pouco tempo.
O fato é que não se sentia parte de nada, não cabia em nenhum grupo, em lugar nenhum. Sentia-se perdido, como a Cosette no meio da floresta, indo buscar um balde de água, morrendo de medo do desconhecido, do escuro, da solidão. Apenas uma criança, era como se sentia de verdade, como se tivesse crescido apenas no tamanho e adquirido uma maturidade forçada, responsabilidades que verdadeiramente não sentia lhe pertencerem, embora soubesse de sua capacidade de aceitar quaisquer que fossem os desafios. Crescer era uma tarefa difícil por si só, e não era isso que ele queria, às vezes nem sequer sabia direito o que queria para sua vida. E ele não sabia ao certo do que tinha medo.
Lutava com afinco para manter o seu espaço social por meio do trabalho e dos estudos, era um rapaz bastante inteligente, mas nem sempre deixava transparecer nada disso para quem o conhecesse de forma breve. Conhecê-lo profundamente poderia ser doloroso demais.


Comentários

Postagens mais visitadas